BOM DIA


A Deusa era casada com o Armírio. Moça prendada, nunca saia de casa voltada que era para as lides domésticas. Casara muito jovem, vinda das bandas dos sertões da Caridade, devota de São Francisco. Deusinha, como era conhecida na família, engordara um pouco depois do casamento com o mecânico Francisco José de Deus Armírio, um cultor dos calendários da Pirelli que deixara pra casar depois dos 35 anos, fruto de seu zelo na escolha da companheira. Se gabava de casar com moça virgem de primeiro namorado que havia ido procurar lá nas brenhas, nos desvãos do mundo. Deusa resolveu caminhar manhãzinha cedo na areia da Beira Mar pra tirar as gordurinhas conforme lhe ensinara Ergilene, uma vizinha fogosa que adorava as madrugadas da Praia do Futuro e que vivia dizendo pra Deusa que quando o marido reclamava ela espetava: Casei mas não morri, meu filho. E caía na balada. Numa dessas caminhadas Deusa ouviu uma voz chamando pelo nome dela...-Deusa, Deusa...voz fininha, distante. Deusa olhou em volta e nada viu e a voz insistia. Quase morre de susto quando olhou pro chão e viu que a voz vinha de uma tartaruguinha. Uma tartaruga falando?! Deusa verificou que não tinha alguém por perto para fazer uma brincadeira. Eram só ela e a tartaruguinha as quatro e cinqüenta da manhã. Deusa, muito caridosa parou. A tartaruguinha pediu para Deusa ouvir sua história triste de vida. Deusa então, sentou ao lado da tartaruguinha e escutou: - Eu era um homem muito feliz. Viajava o mundo inteiro. Sempre fui bem aparecido. Namorei mulheres muito bonitas de todas as nações. Um dia, encontrei moça de encantos jamais vistos. Fiquei com ela. E ela queria que eu largasse minha vida e fosse viver com ela para sempre naquela terra. EU disse que era impossível e parti. Na saída, antes que eu pudesse sequer me despedir, ela virou pra mim e com algumas palavras que nunca compreendi me transformou nessa tartaruga. Tenho corrido os mares como era meu destino e agora parei nesta praia para descansar e seguir minha vida. E para resolver meu problema, para voltar a seu o homem viril que eu era, só um beijo na minha boca de tartaruguinha, dado por uma moça com a bondade de seu coração. Deusa ficou condoída com o drama daquela tartaruga que encontrara bem ali na praia do Náutico. Levantou-se da areia, bateu a areia da calcinha do biquíni comportado que usava, com a toalha felpuda de motivos florais, pegou a tartaruguinha pela laterais do casco e tascou um beijo apaixonado na sua boca, transformando-a num homem alto, forte, loiro, cabelos muito curtos, cheio de músculos e tatuagens.
Até hoje Deusa conta e reconta esta estória, como a história de sua vida, depois da grande surra que levou do Armírio que, desconfiado, começou a segui-la nas madrugadas da Praia até pegar a pudica Deusa beijando apaixonada um marinheiro americano com a água morna batendo nos seus pés.

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