Saúde suína

Lucas Mendes

De Nova York para a BBC Brasil

A minoria americana bem informada, inclusive conservadora, sabe que a saúde do Estados Unidos é pior do que a de qualquer país rico. Na escala da ONU, a qualidade da assistência médica dos EUA aparece em 37º lugar, embora o país gaste o dobro e até três vezes mais por cabeça do que qualquer país europeu e o Japão. Os gringos têm mais doenças e vivem menos do que os outros ricos. Não há como fabricar este número.

E a saúde aqui não mata só a população. O governo freou a indústria americana quando já estava com um pé na cova, mas todas empresas e quem faz seguro individual pagam preços absurdos por qualidade duvidosa. Quase metade das falências do ano passado foi atribuída a custos com saúde. E pior. Se você é rico ou político influente, o serviço é da melhor qualidade.

Um dos meus filhos sentiu uma dor muito forte do lado direito da cintura e às 23h fomos para a emergência do hospital. Depois de 2 ou 3 horas para ser admitido, os médicos começaram uma série interminável de exames. Menos de 12 horas depois, frustrado com os exames sem definição e pelo cenário, fugiu do hospital. Mas não da conta: US$ 21 mil.

O seguro pagou até o último centavo, mas ate hoje não sabemos o que ele teve, e a dor volta e meia reaparece. O golpe do hospital é pegar quem tem um bom seguro e lavar a égua para compensar os que chegam sem seguro.

Lobby

Quase 40 milhões de americanos não têm seguro. Um dos objetivos da reforma de Obama é eliminar exames desnecessários, mas o lobby combinado das seguradoras, associações médicas, hospitais e indústria farmacêutica até hoje envenenou todas as tentativas sérias de reforma.

Uma das pioneiras foi a do presidente Truman, que queria, como Obama, criar um
serviço de saúde pública em 1949. O lobby da American Medical Association (AMA) enterrou a proposta.

Os conservadores republicanos sabem que o sistema está podre e pode quebrar o país, mas para eles, agora, é mais importante cortar o embalo político de Obama, que cai nas pesquisas. Isso pode mudar a composição do Congresso nas próximas eleições. Mas pode sair pela culatra.

Um dos esquemas é aterrorizar os velhos com o argumento que a verba do excelente programa Medicare, que cuida dos americanos com mais de 65 anos, vai ser cortada para criar o sistema público de Obama. Esta foi uma das fontes do boato de que o programa público iria criar esquadrões da morte que decidiriam quem merece viver ou morrer, e que “Obama vai desligar a vovó da tomada da UTI”.

O escritor Richard Dooling, autor do romance Critical Care, é um dos poucos que têm a coragem de dizer que o gasto com os velhos americanos é criminoso: “Oito milhões de crianças neste país não têm seguro, mas os pais delas pagam 3% dos salários para sustentar o Medicare e garantir que septuagenários e octogenários vão receber os remédios caros para doenças banais, implantes de joelhos, tratamentos para impotência e cuidados intensivos”. Para Dooling, não deveria haver nem um centavo federal disponível para pessoas com mais de 85 anos na UTI. Eu estou com ele.

Gafes

O Medicare (para quem tem mais de 65 anos) e o Medicaid (para os pobres), são sistemas estatais e funcionam, mas a criação de um sistema gerido pelo governo para garantir assistência médica para os 40 milhões de não segurados é, segundo os republicanos, “comunismo”, “nazismo” ou “socialismo”. Você ficaria estupefato com os debates entre os congressistas e seus constituintes.

Nesta campanha contra a reforma de Obama, além do espírito de porco republicano, comete-se gafes e injustiças, e a ignorância americana sobre a saúde dos outros é monumental. França, Grã-Bretanha, Canadá e Suíça têm sistemas estatais diferentes que oferecem qualidade a preços mais baixos, mas na campanha de desinformação conservadora, franceses, britânicos, suíços e japoneses estão morrendo nas portas dos hospitais à espera de cirurgias.

Uma das maiores gafes foi do jornal Investors Business Daily. Num editorial, assombrou seus leitores usando o físico britânico Stephen Hawkins, quase 100% paralisado. Segundo o jornal, o físico estaria morto há muitos anos se dependesse do sistema de saúde britânico. Não só o físico dependeu e foi salvo pelo sistema britânico, como saiu em defesa dele como milhares de compatriotas ultrajados pelas ofensas americanas. Ninguém argumenta que o serviço de saúde público britânico seja o melhor do mundo, mas um estudo há três ou quatro anos revelou que o mais pobre dos britânicos tem saúde e serviço médico comparáveis ao mais rico americano. Na Grã-Bretanha agora se referem aos Estados Unidos como “The country of the fee”(“O país dos que pagam”).

Este ano meu seguro médico subiu 23%. Nos últimos oito anos, subiu 109%, e hoje pago US$ 1,5 mil por mês para três pessoas e por menos serviços. Meus pagamentos aos médicos e pelos remédios aumentam a cada ano. Quando falei com o corretor da seguradora, disse a ele que era uma canalhice, que são todos uns bandidos, filhos da mãe, e que o Obama vai arrebentar com eles.

Vai nada. Tente pegar um porco sujo de lama. As seguradoras deslizam mais que senadores brasileiros. Com reforma ou sem reforma, elas vão sair ganhando.

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