Na campanha, ela prometeu aproveitar popularidade para aprovar a reforma tributária
Wanderley Preite Sobrinho, do R7
Em qualquer lugar do mundo a popularidade de um presidente recém empossado é aproveitada por ele ao máximo em seus primeiros cem dias de mandato. É quando o vencedor das urnas aproveita seu pico de fama e mobiliza aliados para provocar um debate nacional em torno de assuntos que são cruciais para o país, mas que raramente são discutidos no Congresso. Temas e interesses que só são questionados enquanto o presidente tem o apoio da maior parte da população.
No Brasil, Dilma Rousseff vem fazendo diferente. Discreta e reservada, passou os 20 primeiros dias no Palácio do Planalto distribuindo cargos para acalmar a sanha de partidos aliados e administrando a tragédia provocada pelas chuvas no Rio de Janeiro. Pior para as reformas política e tributária, até agora fora da agenda do governo, mas tratadas pela própria Dilma como “prioridades” durante sua campanha eleitoral.
Quando venceu as eleições, Fernando Collor de Mello (1990-1992) usou os 100 primeiros dias para alardear a necessidade de seu pacote econômico anti-inflação: o Plano Collor foi aprovado em abril, o que significou o confisco das cadernetas de poupança. Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) também não perdeu tempo e emplacou reformas econômicas que fortaleceram o Plano Real, seu principal cabo eleitoral. Já Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) conseguiu o apoio de governadores para sua reforma tributária, que foi redigida e enviada ao Congresso, onde repousa até hoje em uma gaveta esperando por resgate.
Em maio do ano passado, Dilma prometeu aos industriais da CNI (Confederação Nacional da Indústria) se valer de toda popularidade herdada das urnas para emplacar a reforma tributária.
- Vamos aproveitar a mobilização da campanha eleitoral e os primeiros cem dias do governo para fazê-la.
Na ocasião, ela disse que "a situação tributária brasileira é caótica" e que a reforma racionalizaria uma das cargas mais altas do mundo, equivalente a 33% do PIB (Produto Interno Bruto).
Para o professor de história política da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) Marco Antônio Villa, Dilma esqueceu da promessa ou está aproveitando muito mal seu período de maior visibilidade.
- A impressão dos primeiros dias é que ela não está sabendo aproveitar sua popularidade. Até agora não há uma agenda para apresentar ao Congresso no dia 2 de fevereiro, quando ele for reaberto. Ela não pode ser uma presidente oculta, ainda mais nesse momento de transição.
O professor acha que a reforma tributária “precisa ser feita agora porque o ano que vem será de eleições municipais, quando os parlamentares não estão dispostos a grandes discussões”. Ele lembra que Lula usou sua primeira vitória, em outubro de 2002, para lançar o programa Fome Zero ainda durante o período de transição de governo.
- Dilma teve o mesmo tempo entre a eleição e a posse, mas parece que ela está sem ousadia. Começando o jogo como um time pequeno: quatro atrás e ninguém na frente.
Dilma passa em 1º desafio de presidente
Sobre a reforma política, quem falou foi o próprio Lula um pouco antes de deixar o governo. Fundador do PT, ele já disse que quer atuar no partido para tentar “reorganizar a esquerda brasileira”. Com ela unida, o ex-presidente teria mais força para fazer vingar a reforma, que ele não conseguiu aprovar em seus dois mandatos. Em um encontro com blogueiros em novembro do ano passado, ele foi direto ao ponto.
- É inconcebível esse país passar mais um ano sem reforma [...] preciso convencer os partidos de esquerda e entender por que eles não querem. [...] A primeira batalha é no PT.
Villa diz que Lula teve oito anos para fazer isso, mas que agora qualquer intervenção dele “pode tirar a autoridade de Dilma".
- Se ela deixar o assunto a cargo dele, será como encerrar seu governo no início ou antecipar a candidatura de Lula em 2014.
Discrição
O silêncio de Dilma nesse começo de mandato pode empacar as reformas, mas também tem suas vantagens. Para o professor da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) José Paulo Martins Júnior, uma administração com menos estardalhaço vai ser bom para o governo.
Foi atuando nos bastidores, por exemplo, que Dilma conduziu bem sua primeira crise: a redistribuição de cargos de segundo escalão para os partidos aliados. Sem falar com a imprensa, a presidente chamou os descontentes em seu gabinete e enquadrou seu vice, o presidente licenciado do PMDB, Michel Temer, que suou para conter os colegas de partido – os mais exaltados. Aos ministros que escorregaram em declarações, Dilma já deixou claro que ela manda e eles obedecem.
- Essa postura pode custar pontos de popularidade, mas para o governo vai ser melhor. [...] O Lula é uma pessoa tarimbada em falar e se expor ao público. Ela esta só começando.
Villa pondera, no entanto, que problemas como esse estão ocupando o tempo que poderia ser dedicado às reformas.
- O que ela deve ficar fazendo nesses cem dias não é aprovar as reformas, mas ficar administrando o cotidiano deixado pelo Lula. Ela tem de controlar a inflação (o Natal de 2010 foi mais caro dos últimos 8 anos), distribuir cargos e ainda aprovar o novo salário mínimo.
Procurada pela reportagem, a assessoria da Presidência disse apenas que o governo vem discutindo as reformas política e econômica no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, que não tem valor deliberativo, mas consultivo.
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