Crescimento brasileiro se desloca dos grandes centros para cidades médias
Condomínios residenciais disputam espaço com o setor industrial de Rio Verde (GO): descentralização econômica não tem volta
Por Gustavo Henrique Braga e
Victor Martins, do Correio Braziliense
A cara do Brasil mudou. Verdadeiras Chinas de prosperidade, livres dos problemas do gigante oriental, como trabalho degradante e superpopulação, brotam no interior do país e descentralizam a riqueza para além dos grandes aglomerados urbanos. A substituição de Estados Unidos, Japão e Alemanha como os protagonistas mundiais pelos emergentes China, Índia e Brasil, se repete no âmbito interno. Hoje, em vez das metrópoles, as cidades médias são as locomotivas do crescimento econômico nacional. Com expansão, em alguns casos, a taxas superiores a 100% ao ano, esses municípios são o reflexo mais evidente do processo que levará a uma nova ordem econômica nacional.
Condomínios residenciais disputam espaço com o setor industrial de Rio Verde (GO): descentralização econômica não tem volta
A estabilidade de preços e a ascensão da classe C ao mercado consumidor desencadearam pequenas revoluções industriais país afora, transformando cidades até então restritas à produção agrícola. A exemplo de Rio Verde (GO) e Unaí (MG), onde o campo já determinou o Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas), hoje o crescimento é puxado pelo setor de serviços e pela indústria. “Conforme a economia amadurece, mais ela é puxada pelos serviços. Como nos Estados Unidos, nessas cidades começa a se consolidar o mercado local”, argumenta Fábio Romão, analista da LCA Consultoria.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) evidenciam o fenômeno. Enquanto o Sul e o Sudeste, tradicionais polos de desenvolvimento, perderam participação no PIB nacional, o resto do país avançou. As regiões metropolitanas — São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS), Salvador (BA), Recife (PE), Fortaleza (CE) e Belém (PA) — foram abatidas pelos mais graves casos de violência, degradação ambiental, ocupação irregular, trânsito caótico e infraestrutura saturada.
Os grandes conglomerados urbanos abrigam, juntos, cerca de 27% da carência habitacional no Brasil. Todos esses transtornos afetam sua capacidade de produzir e se manterem competitivos. “As metrópoles constituem espaço estratégico devido à sua importância para o crescimento nacional, mas apresentaram o pior desempenho de produtividade nos últimos 15 anos”, avalia Diana Motta, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Problemas como a falta de espaço e o alto custo dos terrenos e aluguéis completam a situação de “deseconomia”, nome dado por alguns especialistas ao momento em que o investimento em determinada cidade deixa de ser lucrativo por deficiências estruturais. Dados do Censo 2010 comprovam o ponto de vista de Diana. As cidades de porte médio, com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, cresceram a uma taxa de 1,5% ao ano na última década, contra 1% das cidades grandes.
A descentralização econômica é um processo lento, mas sem volta. Basta observar municípios como Londrina (PR), Ribeirão Preto (SP), Uberlândia (MG), Natal (RN) e Teresina (PI). Na década de 1980, elas eram cidades médias, mas hoje subiram um degrau na hierarquia urbana para integrar o seleto grupo de 31 cidades grandes brasileiras. Quanto mais companhias migram para o interior, maior é a força atrativa para fora das grandes metrópoles. “À medida que profissionais qualificados vão atuar nas empresas do interior, um novo potencial de consumo se forma, o que justifica novos investimentos”, explica Fernando Mantovani, diretor de operações da empresa de treinamento Robert Half no Brasil.
As cidades médias se apresentam como a alternativa mais lucrativa aos empresários. O PIB de Catalão (GO), por exemplo, cresceu 719,7% entre 1999 e 2008. A cidade de São Sebastião (SP) se expandiu 928,1% em igual período. Entre 2002 e 2007, o PIB das cidades médias cresceu 5,36% ao ano, enquanto as cidades pequenas registraram 3,84% e as grandes, 3,32%, em igual período. De cada R$ 1 produzido no Brasil, R$ 0,40 veio das cidades com população entre 100 mil e 500 mil habitantes. “O padrão de desenvolvimento brasileiro está alterado”, constata Cláudio Salvadori Dedecca, professor de economia da Universidade de Campinas (Unicamp).
A capital paulista sofre com essa realidade. As montadoras de veículos, um dos principais agentes para a industrialização do ABC na década de 1970, agora preferem as cidades do interior do estado. Nos últimos anos, a Kia se instalou em Salto; a Toyota, em Sorocaba; a Hyundai , em Piracicaba e a Chery, em Jacareí. Sem contar com a cidade de São Paulo, o PIB do resto da unidade da federação alcança US$ 250 bilhões. Se fosse um país, o interior de São Paulo seria a 27ª economia do mundo, à frente da Argentina. Quando excluídos todos os 39 municípios da área metropolitana, o PIB da região chega a US$ 146 bilhões, maior do que toda a riqueza produzida no Chile.
Mantovani, da Robert Half, revela sentir na prática os efeitos da nova ordem econômica brasileira. “Atualmente, temos escritórios no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte. A concentração de empresas no interior de São Paulo, entretanto, criou a oportunidade de nos expandirmos. O plano é abrir, até o fim do semestre, um escritório na região”, diz. Na avaliação de Flavio Amary, vice-presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP), o crescimento do interior paulista ocorre de maneira sustentável. “Ao contrário dos primeiros aglomerados, as cidades emergentes têm planos diretores bem definidos. Os problemas da expansão desordenada são mais bem conhecidos, assim como as formas de preveni-los”, comenta.
Dispersão
Estudos do pesquisador norte-americano Jeffrey Williamson sobre as desigualdades regionais indicam que, em um primeiro estágio de desenvolvimento, a redução dos custos de transporte leva ao aumento da concentração espacial, uma vez que as empresas aglomeradas podem atingir mercados mais amplos. Passada a fase de agravamento das diferenças regionais, entretanto, a atividade produtiva volta a se dispersar, porque as regiões enfrentam aluguéis mais caros e a contínua queda dos custos de transporte e telecomunicações torna a produção independente do território.
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