Discurso de posse do Desembagador Durval Aires filho, hoje em sua posse no Tribunal de Justiça do Ceará

CHEGAR AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Durval Aires Filho*

SENHORAS E SENHORES: chegar ao Tribunal de Justiça é sempre um objetivo do magistrado de carreira. Não que seja uma obsessão, uma finalidade que deve ser almejada a todo custo. Acredito que o recém-ingresso, ao assumir o cargo de juiz substituto, já imagina estar neste espaço. No entanto, lembrando FERNANDO PESSOA, “o céu parece pesado como a idéia de nunca chegar a um porto”. Há, portanto, uma medida, um peso, mesmo para um candidato à “resolução das dores do mundo”.
Antes de tudo, é preciso saber esperar. Nenhuma queda o abismo vai lhe garantir, muito menos o céu vem lhe mostrar os melhores caminhos. Como “fui submetido à regência do signo de outono”, na linha de APOLLINAIRE, “amo as frutas”. Quero dizer: estar neste recinto representa resultado. Avisa o jornalista WILSON IBIAPINA “sempre acreditei que a sua promoção viria em reconhecimento a sua capacidade”, em uma postagem emocionante em que intitulou “Filho de Durval é Desembargador. Que beleza! E o pai não pode ver”.
Tive lições e exemplos daqueles que já desceram a tampa, passaram por todos os nevoeiros e partiram em canoas que deslizaram entre lágrimas e pétalas. Afinal, escreveu FRANCISCO CARVALHO, “a terra é dos mortos e dos seus descendentes”. Como escritor, recebi a melhor herança de meu pai e de meu avô, OTÁVIO AIRES DE MENEZES. Ambos de Juazeiro do Norte, cidade de Pe. Cícero, tão bem representado pela família Bezerra de Menezes.
Nesta linha sucessória, várias gerações dividiram comigo “texto e taça”, observou JORGE TUFIC. Como disse MOACIR C. LOPES, a inclinação para as letras está na minha memória genética, fazendo parte de mim mesmo. Que cumpro “uma vocação familiar”, nas palavras do brilhante Jornalista político TARCÍSIO HOLANDA.
Quanto aos obstáculos naturais ou fabricados, os venci com trabalho, com otimismo, atento às recomendações de GABRIELA MISTRAL: “onde houver uma árvore para plantar, planta tu. Onde houver um esforço que todos fogem, fá-lo tu. Sê tu aquele que afasta as pedras do caminho”.
Pensando na poetiza chilena, gostaria de render meus agradecimentos a esta Corte de Justiça através de suas mulheres. É que existem gestos que são raros como as nêsperas. Aqui, tive a unanimidade, o voto do gênero, desde as primeiras horas, desde as primeiras votações, começando com o voto seguro da Corregedora Edith Bringel Olinda de Alencar, passando ao voto de várias Marias (Nailde Pinheiro Nogueira, Estela Aragão Brilhante e Sirene de Sousa Sobreira cujo perfume ainda exala neste plenário), sem esquecer o voto da Desembargadora Vera Lúcia Correa Lima, mulher de fibra e coragem, minhas homenagens, meus agradecimentos.
E, por falar nas mulheres deste Tribunal, aproveito o espaço para homenagear as meninas lá de casa: Aurora Raquel, minha esposa, Alberice, minha mãe e as minhas filhas Nélida, Maria Clara, as quais se juntam com o Saulo Aires, aos tios, aos parentes mais próximos, aos amigos e à comunidade presente, não só como adorno ou moldura, ou como uma prévia para uma sessão de fotos, mas para emprestar um sentido fundamental à minha vida, iluminando o momento desta honrosa conquista.
Lembro também de Clarisse Mourão Aires, minha filha que reside na cidade universitária de La Plata, estudante do curso de letras e de música, quem me premiou com um texto virtual cujos votos de felicidades com o novo cargo aumentaram mais ainda a minha responsabilidade.
Por sinal, Clarisse é afilhada do Presidente ERNANI BARREIRA PORTO, um compadrio que demonstra amizade e, sem falar nos dotes de administrador, reconhece os altos dons de S. Excelência, como atencioso, polido, gentil e lhano, certamente uma característica de família, uma “Sucessão Legítima”, utilizando o título de uma obra de seu avô, DOLLOR BARREIRA. A propósito, disse, certa vez, para o Desembargador FRANCISCO DE ASSIS FILGUEIRAS MENDES: o judiciário é uma grande família.
Ora, se “a palavra é instrumento rude para expressar o pensamento”, como ensinou o insuperável CLÓVIS BEVILÁCQUA, imaginem a minha dificuldade em traduzir, por palavras, a emoção que estou experimentando agora. Estou imensamente agradecido a esta família de magistrados, muito além do que sou capaz de expressar.
De uma coleção de cerca de quatrocentos mil verbetes catalogados pela nossa língua, pelo menos uma palavra devo sublinhar: obrigado. Minha gratidão aos servidores com os quais tive a honra de trabalhar. Aos colegas da carreira e travessia. Fui feliz com o trabalho dos advogados, os que buscam justiça e encontra nela a sua fonte de existência, os que procuram em nome do Estado, os que defendem os excluídos, como sou imensamente grato, da mesma forma, aos digníssimos membros do Ministério Público.
Agradecido aos Desembargadores Raimundo Eymard Ribeiro de Amoreira e Francisco Lincoln Araújo e Silva que dividiram comigo experiências acadêmicas junto à Escola Superior da Magistratura; aproveito para dizer obrigado a outro Lincoln, um Dantas nobre, do qual tive dois votos: um físico (computável) e outro espiritual. E por lembrar-me deste voto tenho que saudar aos magistrados que primeiro me acolheram: Paulo Eduardo Mendes Sobrinho e sua esposa Maria Gilmaíse de Oliveira Mendes. Obrigado a todos os desembargadores! Sintam o calor do meu abraço que irradia por toda esta Corte e alcança positivamente toda a platéia. Obrigadíssimo!
A sedução para compor uma câmara criminal para quem mourejou muitos anos em processo de execução só teve uma anima: o exemplo do Desembargador Haroldo, com certeza, a maior referência, um Máximo em penas alternativas no Brasil.
SENHORAS E SENHORES: Ancorado em minhas observações, para chegar ao Tribunal de Justiça trilhei apenas uma estrada – o caminho do próprio esforço, com idéias próprias, com realismo intenso, sentido de que para ser justo de verdade, a justiça precisa ser também julgada, questionando as leis e as decisões, suas origens, as forças e os interesses que ditaram seus textos, agindo com fundamento, com critério, justiça e zelo.
É o caminho percorrido pelo magistrado independente que age sem garantir posição confortável, dizendo para si: “que se dane o futuro interessado, porque a atualidade e o bem comum são as duas únicas coisas que não têm fim”.
Por sua vez, este intenso realismo permite observar melhor os problemas da justiça de um país que não superou suas fragilidades e que, ainda assim, se inseriu no mundo globalizado. Mas, antes de tudo, uma anotação: a liberdade não é mais importante do que a igualdade. É preciso respeito ao outro. Eis a virtude soberana de DWORKIN: “só é livre quem estiver em iguais condições, quem estiver substancialmente considerado”.
Os problemas atuais mais graves que estão na superfície são os impasses da própria democracia, como a compra de votos, seguida da mercancia de consciências, negociações de lealdades, majoritarismos, financiamentos e sobras de campanhas, enquanto outros os reduzem a questões ambientais, às disputas de terras no campo, à falta de emprego, à debilidade na educação, à insegurança, à violência urbana, à exclusão e à indigência social.
Ao lado de todas essas questões, as quais aportam no Judiciário, há ainda o entrave da própria máquina. Até agora seu modelo tem sido incapaz de fornecer respostas rápidas as suas demandas. Mas, o projeto de virtualização já implantado por este Tribunal reduz tempo e distância. E, por essa façanha indiscutível, merece aplauso. Tomo assento, hoje, em um Poder devidamente atualizado ao novo século!
O desembargador ANTONIO RULLI JUNIOR sempre afirmou que temos o melhor Judiciário do mundo. É fato também que a Justiça brasileira tem um destaque e importância que nenhum país ostenta. Aqui, tudo, ou quase tudo, deságua no Judiciário. Lembrou o Ministro MASSAMI UYEDA que uma simples briga de vizinhos pode chegar ao Supremo. Assim, a judicialização passa a ser uma característica de nosso povo, uma marca de nossa gente. Daí, a toga bem exercida representa cidadania, paz e segurança, constitui razão de orgulho, respeitabilidade e plena satisfação.
É claro que um problema vincula-se a outro. Hoje, com muita rapidez, os governos precisam resolver o impasse da educação, sobretudo o ensino tecnológico, o treinamento técnico, o suporte prático, seja presencial ou a distância, proporcionando em cada esquina de uma comuna, em cada posto, em cada lan house, iniciativas de ciência, técnica e cultura, com novas estratégias e outras competências, criando oportunidades para quem está voltado para esta jazida, buscando talentos e vocações, que, bem instruídos e treinados, decerto, superarão suas próprias contingências e mudarão a face deste Estado.
Na qualidade de escritor, gostaria de lançar um compromisso com a cultura, até como homenagem à memória de meu saudoso pai DURVAL AIRES que, além de jornalista primoroso, produziu excelente ficção, um trabalho que mereceu análise profunda por parte do crítico literário F. S. NASCIMENTO cujo texto foi recentemente publicado por iniciativa do então Secretário de Cultura, professor FRANCISCO AUTO FILHO, um incansável difusor de obras científicas e literárias de autores cearenses, que compôs uma ação restaurativa de nomes, títulos e bibliotecas, espalhando saber para todo Estado.
A Justiça vai muito mais longe do que a simples aplicação do castigo ao ilícito. Meu compromisso parte da certeza de que, além do equilíbrio e da paz, todas as pessoas possuem necessidades culturais. Tenham uma certeza: só podemos ter idéias, aspirações, avanços e resoluções dos nossos problemas, dentro do vocabulário e da língua que a cultura oferece.
Firme na questão cultural, uma grande e simples iniciativa, como a instalação de uma CPS -- Centro de Pesquisas Sociológicas -- mapeando todos os costumes de uma comarca, passando pelo registro de seus índices históricos de debilidades, potencialidades e violências, como propôs o Desembargador MARCIO VIDAL, parece ser um caminho interdisciplinar que, com certeza, auxiliaria não só juízes em início de carreira, como igualmente promotores e advogados, além de constituir um serviço eficiente de monitoramento, na mesma altura em que as instituições públicas e privadas possam interferir e adotar suas políticas.
A par de tantos problemas nos cabe o desafio de resolvê-los. E aqui eu gostaria de envolver todos os colegas, especialmente, a digna FRANCISCA ADELINEIDE VIANA, uma das juízas mais íntegras deste Estado, que, neste mesmo momento, está sendo empossada comigo, representando uma grande satisfação. Aliás, a minha felicidade tem dimensão dupla: por ter chegado até aqui e, por aqui chegando, assumir com uma mulher tão honrada.
Avisa a magistrada: “O Juiz deve agir sempre em busca da verdade. Seu testemunho de vida e profissionalismo devem ser um espelho (...) transmitindo confiança, pois, em sua pessoa, a sociedade credita os mais profundos anseios de justiça”. Conclui: “Além de sermos o que pensamos, somos, sobretudo, o que fizemos. Os bons exemplos constroem e frutificam”.
Para o inesquecível JOSE SARAMAGO, nunca houve na humanidade uma “idade de ouro para a Justiça”, mas reconheceu que há juízes bons e justos a quem se agradece que existam todos os dias. FRANCISCA ADELINEIDE VIANA é um destes magistrados, por sua seriedade, sempre carregada pela mão firme dos bons e fortes princípios que consolidam a Justiça.
Definitivamente, são muitos os desafios, mas há o imperativo da perseverança, daquele que nunca desiste, comportando-se como uma espécie de “dublê” de dançarino cuja queda sempre é vista como uma dança, agindo, como pensou GABRIELA MISTRAL, à semelhança das ondas do mar, as quais “em cada recuo fazem um ponto de partida para um novo avanço”, para uma nova conquista. Ouvindo mais uma vez FERNANDO PESSOA, todos nós unidos, ergueremos “a um só tempo todos os remos”.
Direito sim. Justiça sempre. E tudo mais que ela idealiza: igualdade, pluralismo, consideração ao outro, sinfonia, universo elegante, suavidade, harmonia, super cordas e teorias definitivas. Isso porque na nossa cultura tropicalista tem muitos temperos. Liberdade em todos os níveis, em todos os recantos, mas com parâmetros de justiça. Eu não sabia, mas sabem qual é o sonho dos cardumes, o maior ideal dos peixes? Respondeu ANDRÉ DE MOUROIS: “um rio sem margem”.
Muito Obrigado.

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