Opiniao

Resposta a uma tia indignada
Meu último artigo, no qual critiquei a decisão da PM de prender comerciantes que subiram preços na região serrana do Rio, deixou transtornada uma tia minha. Eu nunca respondo a comentários de leitores, mas família é família, e não pude ficar alheio a palavras tão duras. Exagerei? Fui desumano? Caí no pecado do economicismo, emitindo uma opinião imbecil e alienada da vida de carne e osso? Reli o artigo umas cinco vezes. Concedo que não me expressei da maneira mais adequada ao argumento. Tento de novo, respondendo à minha tia:
“Imagine, Bruno, que você morasse naquela área. Imagine que você perdesse sua mãe, seu irmão, seu pai, sua casa. Pior (deixemos de sentimentalismos...): que você perdesse o dinheiro que tinha no bolso. O socorro ainda não chegou. Você está exausto, com frio, com fome, com sede, emocionalmente devastado (Ops! Retiro essa parte: vamos nos manter no rumo que importa, o do livre mercado!). Você percebe que o bar da esquina se manteve de pé. Corre para lá, mas o dono da bodega pergunta do que você precisa para se manter vivo. Água? Vela? Rapadura? Ótimo. A água não custa mais R$ 6,00,mas R$ 40,00. A vela pula de R$ 1,50 pra R$ 10,00. Você quer um pouco de caridade e solidariedade? F***-se, o bodegueiro é um liberal, não tá lá pra ser humano, mas pra ganhar dinheiro! Quem mandou deixar seu sacrossanto dinheirinho ser enterrado junto com sua família? A idéia é essa, Bruno? Eu entendi direito?”
Supor que os comerciantes, ali, no ato, ainda encharcados, tenham imediatamente subido os preços para aproveitar a desgraça havida há poucos minutos é um apelo um tanto exagerado ao dramático. Até porque, imagino eu, eles também perderam familiares e posses e, nas horas seguintes aos deslizamentos, tinham preocupações mais urgentes do que abrir a loja.

A chuva desabou no dia 11 de janeiro. A ordem da PM saiu no dia 16. Pode-se deduzir que os preços subiram não imediatamente após a enxurrada, mas uns três dias depois. Alguns ajustes devem ter sido feitos nesse meio tempo. Excluindo a hipótese de formação de cartel, das duas uma: presumindo que a demanda aumentaria, os lojistas compraram em grande quantidade, esperando lucrar com a revenda; ou então, impossibilitados de abastecer normalmente, caso mais provável numa região isolada, viram-se obrigados a operar com o estoque disponível quando da enxurrada, sendo-lhes necessário aumentar os preços para evitar o desabastecimento, pagar funcionários, reparar danos, etc. Convém lembrar ainda que são grandes as chances de eles serem saqueados.

Numa calamidade, a ajuda grande não vem dos comércios de esquina, vem das doações. Solidariedade é admirável fora da coerção estatal. Não devemos exigir de comerciantes prejudicados por enchentes uma atitude que nós, na pele deles, não estaríamos dispostos a ou simplesmente não poderíamos ter. Não parece justo obrigá-los, sob ameaça de prisão, a bancar a caridade necessária às centenas de moradores das encostas desmanchadas.

Bruno Pontes - Jornalista

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