Reportagem especial
Battisti - Ele tinha determinação de matar, diz promotor
Bruno Pontes (brunopontes@oestadoce.com.br) e Rodolfo Oliveira
(rodolfo@oestadoce.com.br),
Da redação do Jornal O Estado
O promotor de justiça Walter Filho, do Ministério Público do Ceará, não tem dúvidas quanto à participação do italiano Cesare Battisti em quatro assassinatos, na década de 1970, quando integrava o grupo de extrema-esquerda Proletários Armados pelo Comunismo, crimes pelos quais foi condenado à prisão perpétua pela Justiça daquele país. “Fui olhar as sentenças e vi que havia muitas inverdades sobre o caso sendo ditas no Brasil”, diz o promotor, cujo interesse pela questão o fez escrever um livro – a ser lançado em ou março – sobre as contradições nos argumentos de defesa do italiano. “No livro, coloco bem as incoerências existentes, sendo tudo provado por documentos. É só confrontar os documentos”, diz Walter Filho, nesta entrevista ao O Estado.
O Estado - O senhor resolveu se aprofundar no caso ao perceber incoerências e contradições na defesa de Cesare Battisti. Explique, por favor.
Walter Filho - Li um artigo do jurista Dalmo Dallari, publicado na Folha de S. Paulo em janeiro de 2009, e observei que algo estranho estava acontecendo. Fui olhar as sentenças e vi que havia muitas inverdades sobre o caso. Ao todo, o grupo de Battisti, os Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), cometeu quatro assassinatos, entre 1978 e 1979. No dia 26 de junho de 1979, Battisti foi preso em flagrante delito, juntamente com outros integrantes do PAC. Do primeiro assassinato, em 06 de junho de 1978, até sua prisão, ele foi membro ativo do grupo e esteve envolvido nos quatro homicídios.
Os assassinatos do joalheiro Pierluigi Torregiani e do açougueiro Lino Sabbadin ocorreram no mesmo dia, em 16 de fevereiro de 1979. Torregiani foi morto quando caminhava para sua loja, em Milão, ladeado de dois filhos menores. Participaram do assassinato Sante Fatone, Sebastiano Masala, Giuseppe Memeo e Gabrielle Grimaldi. Dois deram cobertura e dois atiraram. Torregiani foi morto em Milão. Já Sabbadin foi morto em Mestre, a cerca de 260 km de Milão. Participaram desse assassinato Cesare Battisti, Diego Giacomini e Paola Filippi. Portanto, Battisti jamais esteve em Milão. No entanto, ele foi coautor intelectual do assassinato de Torregiani. Dois dias antes dos crimes, todos estiveram reunidos na casa de Luigi Bergamin e Battisti defendeu as duas ações. No artigo de Dallari que citei, ele escreve: “Dois desses crimes foram cometidos no mesmo dia, em horários muito próximos e em lugares muito distantes um do outro, de tal modo que seria impossível que Battisti tivesse participado efetivamente de ambos os crimes”. A afirmação de Dallari é equivocada, porque a Justiça italiana jamais disse que Battisti esteve presente nos dois assassinatos.
Quais são os outros homicídios cometidos por Battisti?
Walter Filho -Em 6 de junho de 1978, Battisti assassinou o agente carcerário Antonio Santoro. Antes de ingressar no PAC, Battisti já tinha ficha criminal, tendo sido condenado por furto e roubo. A Justiça italiana já tinha contra ele um mandado de prisão. A ex-namorada de Battisti, Cecília, disse que ele havia confessado o crime. Battisti também é autor dos disparos que mataram o policial Andrea Campana, em 19 de abril de 1979. No dia desse crime, o homem que atirou no joalheiro de Milão, Giuseppe Memeo, estava no carro esperando por Battisti. Quando Memeo foi preso, ele tinha uma arma e a polícia identificou que essa arma era a mesma que matou o joalheiro.
Em 2009, a escritora francesa Fred Vargas encaminhou ao ministro Cezar Peluso, do STF, uma carta detalhando supostas irregularidades na condenação de Battisti pela Itália. O senhor afirma que a carta é repleta de erros.
Walter Filho - A escritora Fred Vargas, uma grande defensora de Battisti, convenceu o senador Eduardo Suplicy (PT) e outros militantes de esquerda a acreditarem em uma carta cheia de dados errados. Ela afirma que tudo contra Battisti foi forjado, diz que estudou o processo por 15 anos e que Battisti foi inocentado por esses assassinatos. No processo da Justiça da Itália, Battisti foi acusado naquele momento de integrar um grupo armado. Ela diz que os crimes aconteceram e foram planejados na casa de Pietro Mutti, Esquece-se de dizer que Battisti freqüentava esses locais. Mutti era o melhor amigo de Battisti. Seria muita bondade achar que Battisti pegava em armas e nunca matou. Fred diz que ele deixou o PAC em junho de 1978. Ela esquece-se de que, em junho de 1979, Battisti foi preso em flagrante delito, com armas e outros membros do grupo; assim, ele não poderia ter deixado o PAC no ano anterior. Já Battisti diz que quando ocorreu o assassinato de Santoro, em 06 de junho de 1978, houve imediatamente uma reunião, na qual esteve presente, tendo deixado o grupo logo após. No dia 24 de outubro de 1978, Battisti foi acusado de participar de um atentado contra o agente de custódia Arturo Nigro. Portanto, mentem os dois, Battisti e Fred Vargas, quando dizem que ele deixou o movimento em junho daquele ano. O advogado de Battisti, Luís Roberto Barroso, também diz que ele abandonou o PAC em meados de 78. Os fatos provados pela Justiça e confessados por Battisti contrariam seu próprio advogado.
Battisti diz que as testemunhas que depuseram contra ele mentiram em troca de benefícios da Justiça. O que o senhor pensa dessa alegação?
Walter Filho - Hoje, Battisti diz que Mutti e outros dos seus colegas que colaboraram com a Justiça não merecem credibilidade. Mas não foram apenas os depoimentos dessas pessoas que pesaram contra ele. Há também o depoimento de testemunhas oculares, a perícia, etc. A Justiça italiana está de parabéns. Fez um trabalho minucioso, pois não era fácil identificar os assassinos. Eles usavam disfarces, o bando era numeroso etc.
Battisti ficou preso de 1979 a 1981. Fugiu da prisão de Frosinone no dia 04 de outubro de 1981. A fuga foi elaborada por Mutti, pela ex-namorada e por outros companheiros. Isso mostra que ele era uma pessoa importante dentro do PAC. Se ele não tivesse importância, como muitos afirmam, teria mofado na prisão. Hoje Battisti cospe na cara desses amigos. Então, quem é o traidor? É Battisti, que após receber dos amigos a liberdade através da fuga deixou todos lá na Itália e se mandou.
Os defensores de Battisti sustentam que o processo na Itália foi conduzido de modo a prejudicá-lo. Essa acusação tem fundamento?
Walter Filho - É importante dizer que tudo que Battisti alegou contra a Justiça da Itália foi objeto de apreciação pela Justiça francesa, que não encontrou nenhum erro, e pela Corte Européia de Direitos Humanos, a insuspeita Corte Internacional, que não viu nada de errado nas sentenças oriundas da Itália. Além do mais, Battisti viveu clandestinamente na França durante 14 anos, e o ex-presidente François Mitterrand, mesmo sendo um homem de esquerda, não teve a coragem de lhe conceder cidadania. Battisti diz que veio ao Brasil porque foi perseguido pelo então presidente Jacques Chirac, que era de direita. Mentira. Ele passou nove anos na França sob a presidência do Chirac, que nunca o perseguiu. A decisão de extraditá-lo para a Itália foi da Justiça francesa. Assim como o Judiciário brasileiro determinou pela extradição de Battisti, a Justiça francesa também o fez. Ele fugiu da França para não ser levado pela polícia e entregue à Itália. Battisti gosta de uma mentira.
Como avalia a decisão de Lula de não extraditar Battisti?
Walter Filho - Admiro a história de Lula, mas foi um erro imperdoável ir de encontro à decisão do STF e ao tratado bilateral sob a alegação de que Battisti teme ser perseguido na Itália. Isto é brincadeira. Se os “italianos maus” quisessem matar Battisti, o teriam feito em 79, no fervor dos acontecimentos, quando ele estava preso. Bastava um policial dar um tiro nele e pronto. Por que fariam hoje, se não fizeram naquele tempo? Não tem sentido essa alegação. E o que me revolta também nas defesas de Battisti é a agressividade com que eles tratam o atual premiê da Itália, Silvio Berlusconi, que não tem nada a ver com o processo. O presidente da Itália hoje é o comunista Giorgio Napolitano. A atual representação política italiana está fazendo cumprir o que já foi julgado. Alegar que Battisti poderá ser perseguido é achar que todos nós somos idiotas. Acredito que Lula ainda pagará um preço muito alto por essa decisão. Isso manchará a nossa imagem. Lula desrespeitou não só a decisão jurídica do País, mas as famílias das vítimas de Battisti.
Qual seria a incoerência mais gritante dos defensores brasileiros de Battisti?
Walter Filho - Para mim, é a do senador Eduardo Suplicy. Ele diz que Battisti cometeu ações armadas, mas nunca assassinatos. Ou seja, todas as perícias, as testemunhas, as confissões etc. – tudo isso não tem nenhuma validade para Suplicy. Esquece-se Suplicy que Battisti também foi acusado de ter cometido atentado contra Arturo Nigro e mais dois médicos. O caso de Battisti foi objeto de apreciação pela Corte francesa e pela Corte Internacional. O Brasil foi o único país do mundo que acreditou em Battisti.
E por que só o Brasil acreditou nele?
Walter Filho - Acho que é pela questão ideológica. Não existe outra explicação. Tenho respeito pelos defensores de Battisti, mas essa é uma causa infundada. O mais equivocado é dizer que ele não sabia de nada, que não participava de nada. Battisti integrou o bando armado desde o começo, tinha determinação de matar. Não entendo como essas pessoas abraçam uma causa dessas.
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