Por Sara Oliveira saraoliveira@oestadoce.com.br
A rua é pública, mas a vaga em área de estacionamento permitido, não. A flanela na mão ou o colete iluminado já avisam que a espaço tem dono: os guardadores de carro, também conhecidos como flanelinhas. Eles estão em todo lugar, mas a Prefeitura sequer sabe quantos existem. Uma contrariedade de direitos que embute falta de emprego, criminalidade, desorganização no trânsito e falta de segurança.
O projeto de lei nº 0253, que tramita na Câmara Municipal de Fortaleza, pretende criar um sistema chamado Vaga-Legal, que permite a cobrança de estacionamento em algumas vias da Capital. A proposta traz à tona a realidade de homens e mulheres sem trabalho, que buscam no “bico” uma forma de sustentar-se, e acentua a necessidade de acompanhamento por parte do poder público.
“O Vaga-Legal, ao mesmo tempo que oferecerá treinamento e oportunidades ao trabalhador [ flanelinha], contribuirá com a preservação do patrimônio do cidadão. Já há flanelinha em todo lugar”, considerou o autor do projeto de lei, o vereador Idalmir Feitosa. De acordo com o documento, o valor pago será de R$3 por seis horas de estacionamento. “Do apurado, será 60% do operador [flanelinha], 10% de um supervisor, 10% para confecção de cartões e 20% para divulgação, que seria executada pela Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços e Cidadania (AMC).
REALIDADE NAS RUAS “O Governo tem é de empregar essas pessoas e dar oportunidade de estudo e não valorizar uma profissão que se baseia em uma cobrança indevida. Infelizmente, na hora que o flanelinha chega, não tem como identificar quem é um trabalhador ou criminoso”, opinou o médico Lusmar Veras. Ele já foi assaltado duas vezes por homens que se fingiam de guardadores de carro.
O médico sugeriu que a fiscalização no trânsito, assim como a segurança dos veículos, voltasse a ser como há anos atrás. “Este trabalho era pra voltar a ser feito com agentes e policiais militares, como antigamente. Hoje, a atuação da AMC e nada, são a mesma coisa”, considerou Lusmar.
Assaltos, violência, coação e ameaça são alguns dos delitos que muitas vezes aparecem na relação entre motorista, estacionamento e flanelinha. Esta realidade é aparente em qualquer hora do dia, porém, durante a noite, principalmente próximo à casa de shows e bares, é ainda pior. “Os flanelinhas colocam uma corda entre a calçada e o asfalto e delimitam como área deles. Só deixam colocar o carro se a pessoa pagar. No fim da noite, muitos já estão bêbados ou drogados, então você ainda mais medo de contrariá-los”, contou o estudante Alberto Moraes Tavares.
INICIATIVA SINGULAR Em 2009, uma iniciativa do 4º Distrito Policial (DP) cadastrou 70 flanelinhas. O motivo para a ação foi o grande número de Boletins de Ocorrência envolvendo limpadores de para-brisa em cruzamentos e guardadores de carros. “Para se ter uma ideia, 32% dos cadastrados já apresentavam antecedentes criminais”, lembrou o titular do 4º DP, o delegado José Munguba Neto. Conforme ele, a incidência de ocorrências envolvendo os flanelinhas baixou consideravelmente. “Temos foto e informações de endereço, nome dos pais, estado civil e documentação de cada pessoa cadastrada. Eles têm medo de cometer delitos, pois sabem que serão pegues mais facilmente por causa das informações”, avaliou.
As voltas que a vida dá Ele trabalhava como segurança de banco, conduzia e protegia montantes de dinheiro por todo o Ceará. Hoje, sua área de atuação limita-se a dois quarteirões, vigiando carros e orientado motoristas. O fardamento de Francisco Ferreira da Silva, 69, agora é composto por calça, camisa, boné a apito. Ele trabalha próximo a um movimentado hospital na Pontes Vieira e não se considera flanelinha. “Ninguém nunca me viu com uma flanela na mão”, adiantou.
Francisco trabalha há nove anos como “segurança de carros”, como ele mesmo define, e diz que a mudança profissional foi inevitável. “Tive de viajar para cuidar dos meus pais doentes e quando voltei já estava sem emprego. Hoje, ninguém me contrataria para ser segurança de algum lugar, tenho de viver dos bicos mesmo”, falou.
Sobre o projeto de lei que tramita na Câmara, Francisco se diz favorável, mas teme que os motoristas não cumpram o pagamento. “Tem gente que deixa o carro o dia todo aqui e não me dá nada. Já pensou se for cobrar R$3, aí é que não dão mesmo”, ponderou. A área onde Francisco trabalha foi conquistada por ele, com isso há também o receio de ser retirado de lá. “Já conheço todo mundo, muitos até me ajudam, não poderia nunca sair daqui”.
FOTO: ANDERSON SANTIAGO / O ESTADO
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