O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou, ontem, à maioria de votos a favor da aplicação da Lei da Ficha Limpa às eleições municipais deste ano. Apesar de o julgamento não ter sido concluído e o placar formal ser de quatro votos pela lei e apenas um contrário, pelo menos dois ministros que ainda vão votar já se manifestaram dezenas de vezes favoravelmente ao ponto mais importante da lei: a proibição da candidatura de políticos que foram condenados por tribunais de segunda instância. Com isso, a lei deve ter o mínimo de seis votos necessários para que essa regra seja aplicada às futuras eleições.
Até aqui, os ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Cármen Lúcia Antunes Rocha foram a favor da lei. Eles devem ser acompanhados por Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto, que ainda não votaram nesse processo no STF, mas participaram de vários julgamentos sobre a Ficha Limpa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e sempre foram favoráveis à regra que veda a candidaturas de políticos que foram condenados por órgãos colegiados da Justiça (com mais de um juiz).
Lewandowski e Britto só não votaram ontem porque o julgamento foi interrompido às 19h30 para a realização de uma sessão administrativa do STF, que estava marcada previamente. Mas, ambos defenderam a lei nos debates que ocorreram ao longo do dia na Corte.
Apesar da maioria de votos, a Ficha Limpa foi duramente contestada durante o julgamento. O ministro José Antonio Dias Toffoli, que havia pedido vista do processo, em novembro, disse que a lei pode levar a injustiças. Segundo ele, um político que for condenado por um tribunal de segunda instância ainda pode recorrer contra essa decisão e ser declarado inocente. Mas, a lei faz com que ele seja impedido de disputar as eleições antes de esse recurso ser julgado. "Como o tempo não para, sempre estará presente o perigo da demora [na decisão do recurso do político]", disse Toffoli, citando o cantor Cazuza.
Fux se contrapôs a Toffoli, ao dizer que, se o político recorrer, ele pode reverter a situação de ter sido declarado "ficha suja".
"Mas, se ele vier a ser absolvido pode ser tarde demais, pois ele pode perder a oportunidade de se candidatar", alertou o ministro Celso de Mello.
Em seguida, Gilmar Mendes disse que o próprio STF revê, na 2ª Turma, 35% dos casos de pessoas que entram com habeas corpus, após terem sido condenadas ou presas. "A revisão das decisões tomadas em juízo criminal é altíssima", enfatizou.
Esse argumento não foi suficiente para Rosa Weber. Nova na Corte, ela deu o voto decisivo a favor da lei. "O princípio da presunção da inocência não tem caráter absoluto", disse Rosa. "Ele é pertinente ao processo penal", completou, fazendo uma diferenciação entre a condenação penal dos políticos e o processo eleitoral.
Rosa afirmou ainda que o STF não deve ser insensível às aspirações populares. "A Lei da Ficha Limpa detém o quarto lugar no ranking das leis de cunho popular no Brasil", disse, lembrando que mais de 2 milhões de assinaturas favoráveis à lei foram enviadas ao Congresso. Pouco antes, Mendes havia defendido que há casos em que a Corte deve julgar contra a opinião popular: "Senão a pena de morte poderia ser aprovada."
Formalmente, Mendes, Celso e o presidente do STF, Cezar Peluso, ainda não votaram. Mas, durante os debates, ficou clara a posição deles contra os pontos centrais da Ficha Limpa. Peluso considerou um absurdo a lei impedir a candidatura por causa de atos cometidos pelos políticos antes de ela entrar em vigor. "Nem os regimes autoritários ousaram editar normas que alcançaram fatos passados", disse o presidente do STF.
O julgamento será retomado às 14h de hoje e pode por um ponto final nos debates sobre a Ficha Limpa no STF. Em setembro de 2010, a Corte decidiu, após um empate em cinco votos a cinco, que a Ficha Limpa deveria valer às eleições daquele ano. Naquela ocasião, o debate era se poderia ser aplicada lei sobre o processo eleitoral que foi aprovada no mesmo ano das eleições. A Ficha Limpa foi promulgada em 4 de junho de 2010 e a Constituição proíbe que as regras eleitorais sejam modificadas no ano do pleito.
Em março de 2011, o STF voltou atrás e vetou a aplicação da lei para os políticos que se elegeram em 2010, por seis votos a cinco. A mudança se deu com a posse dez Fux no tribunal, dois meses antes.
Agora, o STF discute a aplicação da lei para as eleições futuras. Por enquanto, a tendência é de seis votos a favor e quatro contrários. Marco Aurélio Mello, que sempre se manifestou contra a lei, permaneceu calado durante os debates de ontem, deixando dúvidas sobre seu voto.
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