Calendário com transformistas em cenas clássicas gera polêmica no CE

Gabriela Alves e Diana Vasconcelos Do G1 CE
No mês de abril, "O Último Truque" faz referência ao quadro "A Última Ceia", de Leonardo da Vinci. (Foto: Translendário/Divulgação)No mês de abril, "O Último Truque" faz referência ao quadro "A Última Ceia", de Leonardo da Vinci. (Foto: Translendário/Divulgação)
O grupo cearense “As Transvestidas” lançou no Ceará um calendário com 12 imagens de atores transformistas inseridas em obras clássicas e cenas populares. Entre as páginas dos meses de janeiro a dezembro do “Translendário”, como é intitulado o trabalho, há releituras das pinturas “Monalisa” e “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci, e da escultura Pietá, de Michelangelo.  A presença da logomarca da Prefeitura de Fortaleza na publicação gerou polêmica na Assembleia Legislativa do Ceará nesta terça-feira (8), mas o município diz que não apoiou financeiramente o calendário. Um deputado estadual considera o calendário um ''desrespeito'' aos cristãos.
Carmen Miranda é retratada com as tradicionais cores e pose e o título “Disseram que voltei Trans-Operada”.  (Foto: Translendário/Divulgação)Carmen Miranda está no mês de fevereiro, em
“Disseram que voltei Trans-Operada”.
(Foto: Translendário/Divulgação)
“A ideia do 'Translendário' foi fazer um produto com qualidade que pudesse levar uma imagem positiva do universo trans. Uma imagem diferente da lama e da prostituição”, explica um dos idealizadores do projeto, Silvero Pereira.
De acordo com o ator, produtor e professor, o nome diferente para o calendário surgiu para fazer alusões ao objetivo do produto e “às travestis como lendas da nossa cultura”. A escolha das 12 imagens não foi fácil, segundo Silvero Pereira, e discutida em reuniões com os produtores durante os dois anos que o projeto foi idealizado. “Queríamos uma visibilidade positiva e, com uma boa fotografia, produção e designer, pensamos em obras clássicos que fossem referência para as pessoas, que já fizessem parte do imaginário coletivo”, afirma.
Com referências do mundo LGBTT, o mês de agosto do “Translendário” traz, por exemplo, a “Transvênus”, uma releitura da obra “Vênus de Milo”. A capa clássica do disco “Abbey Road”, do The Beattles, também é lembrada no mês de julho na versão “Crossdressroad”. A famosa “Mona Lisa”, de Leonardo da Vinci, transformou-se em “Mona” e a cantora Carmen Miranda é retratada com as tradicionais cores e pose e o título “Disseram que voltei Trans-Operada”.
Segundo o idealizador, foram impressos 400 exemplares que, desde janeiro, são distribuídos em eventos e ONGs ligadas ao movimento LGBTT. O "Translendário" também pode ser comercializado pelo valor de R$10, mas a venda está paralisada, de acordo com Pereira, depois que o calendário recebeu críticas na Assembleia Legislativa do Ceará. "Queremos esclarecer qual é o objetivo do nosso trabalho", diz.
Polêmica
O deputado estadual Fernando Hugo (PSDB-CE) apresentou o “Translendário” na manhã de terça-feira (8) no plenário da Assembleia Legislativa afirmando que as imagens o fizeram se sentir desrespeitado como cristão. “Eles [grupo LGBTT] que tanto querem respeito, deviam primeiro respeitar”, disse o deputado em contato com o G1 nesta quarta-feira (9).
Segundo Silvero Pereira, o calendário traz releituras de obras de arte. "Não tem nada a ver com religião. É uma releitura artística, das obras de arte, assim como é feita em outras artes. Michelangelos e Da Vinci nem católicos eram", diz.
Outra crítica do deputado é a impressão da logomarca da Prefeitura de Fortaleza na primeira página dos calendários. Fernando Hugo informou que já entrou com uma ação no Ministério Público pedindo explicações sobre o tipo de apoio dado pela prefeitura de Fortaleza ao calendário. “O que é desalentador é que a prefeitura lamenta tanto a falta de dinheiro para investir, destine de modo fácil e rápido recursos para uma publicação assim”, disse o deputado, completando, “é um gasto de dinheiro do povo numa publicação que em nada produz de educativo. Quero saber qual o fundamento.Qual o beneficio que ele trará ao povo de Fortaleza?”.
A Prefeitura de Fortaleza informa, por meio da Secretaria de Direitos Humanos, que o translendário não é de sua responsabilidade. O material não recebeu apoio financeiro do município e a marca da gestão foi utilizada indevidamente pela organização.
"Todo o investimento foi todo feito pelo grupo (As Trasvestidas) e realizado com apresentações artisticas", afirma Silvero Pereira. Segundo o produtor cultural, os valores dos cachês e da renda da bilhetaria de espetáculos encenados pelo grupo foram destinados para a produção do calendário que não contou com verba da Prefeitura. O custo do produto, segundo Pereira, variou entre R$ 2 000 e R$ 2.500 e os envolvidos no projeto não cobraram pelo trabalho.
"A ideia de colocar logomarca da Prefeitura foi uma decisão minha em agradecimento às ações e parceiras desenvolvidas pela Coordenadoria da Diversidade Sexual. Por isso, coloquei como apoio", diz. O artista acrescenta que o grupo deciciu retirar a primeira página do calendário que contém a referência à prefeitura municipal.
Apesar de criticar a presença da logomarca “Fortaleza Bela” na publicação e criticar a forma como o conteúdo foi apresentado, Fernando Hugo disse não ser contra o público LGBTT ou manifestações pela diversidade sexual. “Porém como cristão, sem ser piegas ou carolista, posso dizer que os travestis desrespeitaram o mundo cristão”, afirma.

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