Quando será a vez do pedestre na Capital?

SARA OLIVEIRA
saraoliveira@oestadoce.com.br

Imaginar que os fortalezenses já optaram por andar a pé, ao invés de exibir seus veículos motorizados, parece impossível.
Com o passar dos anos, a calçada foi colocada no canto do muro, enquanto o asfalto merece cada vez mais espaço. Ir e vir, na Capital, exige mudanças: é preciso respeitar as 2.700 faixas de pedestres, diminuir o número de atropelamentos (2.172 este ano), conscientizar motoristas e administrar com planejamento, unindo mobilidade, investimento e estrutura.
O clima não colabora, os degraus no meio da passagem também não, muito menos os 1.197 homicídios registrados de janeiro a setembro na Capital.
A acessibilidade, entretanto, é obrigação, tanto do poder público quanto dos cidadãos. Enquanto programas tentam padronizar alguns quilômetros das calçadas de Fortaleza, ainda falta educação e respeito ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que, claramente, prioriza os modos de transporte não motorizados. Falta, ainda, segurança para “derrubar” os grandes muros responsáveis pelo isolamento.
A insegurança, que estimula a construção de enormes muralhas e o isolamento das residências sobre o espaço público, é um dos principais entraves para o cumprimento de direitos do pedestre. “Os olhos da rua é que devem dar a segurança e a qualidade às vias e calçadas. A avó vigiando os netos, os filhos despedindo-se do pai ao ir ao trabalho... Mas o medo prevalece”, opinou o arquiteto Delbergue Ponce de Leon. Em julho, uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) revelou que 46.5% dos moradores de Fortaleza têm receio de deixar sua casa/trabalho para resolver problemas durante o dia.
“O homem vive em sociedade há cerca de 10 mil anos e apenas há 100 o carro foi inventado”, completou o especialista. A observação destaca a quebra de valores trazida pelo veículo motorizado, onde o asfalto é mais discutido, ampliado e disputado. Caminhar em Fortaleza, para o especialista, deveria ser menos sacrificado, tendo em vista a topografia plana da acidade. “O desenho ortogonal, quadriculado, com esquinas a cada 100 metros, favorece a circulação. Seria saudável caminhar com passeio correto e arborização”, avaliou.
POSSÍVEIS MELHORIAS
Na empreitada a favor das calçadas, Delbergue sugere a interferência do poder público. “Nas obras da Copa há padronização, porém, o proprietário é que é responsável pela manutenção da sua calçada. Uma dubiedade que poderia não existir. Se o governo tomasse para si, seria mais fácil”, comentou. Ele defende, ainda, a criação de comunidades mais autônomas, que favoreciam a preferência pelo caminhar.

Escola, trabalho e comércio compõem, conforme o arquiteto, 80% da rotina do fortalezense. Se os bairros pudessem concentrar estas estruturas, haveria impacto no trânsito, principalmente em algumas grandes avenidas da Cidade. “O investimento estrutural atrai, inclusive, o interesse das construtoras, de acordo com as ações do poder público. Onde o governo vai, as empresas iriam atrás”, ressaltou, referindo-se, também, às estruturas de energia, saneamento e segurança.  
DIREITOS E DEVERES
O artigo 68 do CTB dá conta de que “É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens apropriadas das vias urbanas (...)”. O artigo 71 considera que “O órgão ou entidade com circunscrição sobre a via manterá, obrigatoriamente, as faixas e passagens de pedestres em boas condições de visibilidade, higiene, segurança e sinalização”. As normas, apesar de terem a função de reger o trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, ainda não são cumpridas com excelência.

A maioria dos atropelamentos acontece, nas faixas, durante a conversão dos veículos. Para Delbergue, esquinas com grandes comprimentos facilitam o excesso de velocidade dos carros. “Na manobra, quanto mais estreito, menor será a velocidade. Existe, ainda, carência de sinalização para pedestres”, considerou. Existem 2.700 faixas de pedestre em Fortaleza, sendo 2.300 em semáforos, entretanto, ainda existem vias sem faixas e pedestres que não as respeitam. Esta realidade é um dos fatores que colabora para que o Instituto Doutor José Frota (IJF) receba, diariamente, cerca de oito pessoas vítimas de atropelamento. Em 2012, já foram 2.172 atendimentos.
“A maioria dos casos acontece em grandes avenidas, como BR-116 e Washington Soares. Jovens são as maiores vítimas, onde os fatores motivadores são excesso de álcool ou desrespeito às regras básicas de segurança, seja do motorista ou do pedestre”, avaliou o diretor executivo do IJF, Casemiro Dutra. Os casos de atropelamentos no hospital são considerados de alta gravidade, necessitam de cirurgia e os pacientes ficam, em média, 30 dias internados.
MUDANÇAS E PROJETOS
O titular da Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e Cidadania de Fortaleza (AMC), Ademar Gondim, informou que a Escola Municipal de Trânsito da Capital será transformada, nesta semana, na Escola de Mobilidade. “Vamos enfatizar as diretrizes que incluem os direitos dos pedestres, destacando o comportamento e o respeito às faixas será uma prioridade”, garantiu. Ele destacou a importância da desobstrução das calçadas e avaliou ser necessárias campanhas de conscientização sobre os temas.

Para que a caminhada seja uma ação frequente na Cidade, Ademar considerou o clima um empecilho. “Além do passeio em si, do piso, tinha de ter mais sombreamento”, frisou. A AMC desenvolve um projeto chamado “Travessia Cidadão”, que tem o objetivo de sensibilizar pedestres e condutores para um convívio social e equilibrado no trânsito.

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