Novo líder anuncia investida do PMDB contra política de desonerações tributárias de Dilma
Com suas emendas, o PMDB tentará impedir que a redução de alíquotas de tributos como IPI e Imposto de Renda incida sobre os valores que a União é obrigada a repassar a Estados e municípios. “O governo terá que tirar a desoneração da parte do tributo que cabe a ele, não da parcela que cabe aos governos estaduais e às prefeituras”, afimou Cunha em entrevista concedida ao blog na noite passada.
O deputado disse isso 24 horas depois de Dilma ter enviado ao Legislativo a mensagem que esmiúça os planos do governo para 2013. Na peça, a presidente anota que aprofundará a estratégia das desonerações, “em parceria com o Congresso Nacional e com os Estados e municípios.” E Cunha: “Se o governo quer fazer política econômica desonerando, ele pode, deve e tem que fazer. Mas terá que calibrar a desoneração ao tamanho da capacidade da União de perder receita.”
Acomodado na liderança contra a vontade de Dilma e sob resistências da cúpula do PMDB, Cunha apresenta-se como um líder dotado de “muito mais autonomia para exercer a função.” Segundo diz, não deve satisfações senão à bancada que o elegeu. Informa que seus liderados exigem ser tratados “com mais respeito.” E não se sentem obrigados a “bater palmas para tudo o que vem do Planalto”.
Cunha conta que os deputados do PMDB vinham represando suas insatisfações para não prejudicar a campanha do ex-líder Henrique Eduardo Alves à presidência da Câmara. Superada essa fase, a bancada “vai querer que suas posições sejam ouvidas”. Vai abaixo a entrevista.
— O governo tem razões para temer o novo líder do PMDB na Câmara? As pessoas vão se surpreender com a minha atuação.
— Por quê? O líder de bancada expressa única e exclusivamente o que a maioria da bancada pensa. Não pode ser diferente.
— O que pensa a maioria da bancada do PMDB sobre o governo? Mudou o processo. Estávamos numa fase de candidatura do Henrique [Eduardo Alves à presidência da Câmara]. E atuávamos em função dessa candidatura. Muitas vezes fazíamos coisas que a bancada não queria. Tivemos de ceder em função de um projeto maior: a eleição do Henrique. Agora, nesse novo momento, a bancada terá um posicionamento diferenciado. Vai querer que suas posições sejam ouvidas.
— Estamos falando de cargos? Não estou falando de cargos nem de emendas.
— Fala de quê? Estou falando de postura. Um líder que está começando, saído de uma eleição disputada, não tem margem para fazer o que bem entende, contra a bancada. Um líder só pode se sustentar a partir da construção de posições conjuntas com sua bancada.
— Posições eventualmente contrárias aos interesses do governo serão da bancada, não do líder, é isso? É exatamente isso. Quando eu falar, serei porta-voz da bancada. Hoje mesmo, houve uma reunião dos partidos para discutir a votação do Orçamento da União e dos vetos –entre eles o dos royalties. Eu designei o primeiro vice-líder, Marcelo Castro, que é o maior lutador dos royalties na nossa bancada.
— Soube que, na reunião, ele concordou com a tese da oposição, que condiciona a aprovação do Orçamento à apreciação prévia dos vetos. Pois é. Mas eu tinha que fazer isso. Porque é essa a posição da maioria da bancada. Eu não podia ir lá e impor uma posição contrária aos interesses da bancada. Sou do Rio de Janeiro. Todo mundo sabe o que penso sobre os royalties. Se expresso minha opinião, amanhã tem uma crise e a bancada me desautoriza. Portanto, jamais haverá de minha parte uma manifestação que não corresponda ao pensamento da maioria da bancada.
— Consumada a eleição de Henrique Alves, acha que a bancada está livre para divergir do governo? A bancada agora se sente liberada. Vai querer que as suas posições, que seus verdadeiros pensamentos sejam expressados.
— O pensamento médio da bancada está muito distante dos interesses do governo? O pensamento majoritário da bancada é o de apoio ao governo. Mas a maioria da bancada também acha que o PMDB precisa ser tratado com mais respeito.
— O que significa mais respeito? De novo, não estamos falando de cargos e emendas. Vou dar um exemplo: no governo Lula, quando tinha alguma medida importante para ser enviada ao Congresso, ele fazia reuniões do conselho político e debatia, mostrava o que ia fazer.
— Com Dilma é diferente? No começo do governo da presidenta Dilma era assim. Mas depois essa prática foi encerrada. O governo não pode querer concordância absoluta de todos e que a gente bata palmas para tudo que vem do Palácio do Planalto. Haverá contestações.
— Antevê alguma? Tirei hoje uma posição da bancada sobre as desonerações tributárias. Todas as que vierem para a Câmara receberão sempre uma emenda do PMDB.
— Emenda sobre o quê? Essas desonerações não podem impactar as parcelas do FPE [Fundo de Participação dos Estados] e do FPM [Fundo de Particiação dos Municípios]. Queremos que o impacto fique restrito à parcela da União.
— Como será feito? As desonerações chegam por medida provisória. E nós vamos fazer sempre uma emenda dizendo que a redução de alíquota de IPI não incidirá para efeito de redução dos repasses para Estados e municípios. O governo terá que tirar a desoneração da parte do tributo que cabe a ele, não da parcela que cabe aos governos estaduais e às prefeituras.
— Isso passa no plenário? Mesmo que o PMDB seja minoritário, mesmo que perca, é uma questão de posição política. O PMDB é um partido municipalista. Os municípios estão passando necessidades. Os Estados que dependem do FPE também. Então, nós não podemos deixar de ir contra uma posição que afeta os nossos governadores e os nossos prefeitos. Se o governo quer fazer política econômica desonerando, ele pode, deve e tem que fazer. Mas terá que calibrar a desoneração ao tamanho da capacidade da União de perder receita.
— O sr. diz que o partido não está preocupado com cargos. Mas pelo menos a bancada de Minas Gerais tem pretensões ministeriais, não? Isso é uma coisa política, não é questão de pretensão.
— Como assim? É preciso recordar que, na eleição passada, a presidenta Dilma teve, em Minas Gerais, uma vantagem de 2 milhões de votos no segundo turno. Qual você acha que vai ser o resultado se o Aécio for candidato? Ela vai perder. O Aécio vai ganhar em Minas. Pode perder no país, mas em Minas ele ganha. Então, é preciso tratar Minas Gerais de maneira diferente. O Estado será sensível a alguém que foi governador por oito anos [Aécio] e deixou um governador no lugar dele [Antonio Anastasia], que é bem avaliado. O mineiro é bairrista. Se a presidenta Dilma, que é mineira de nascimento, não entrar nesse espírito, não basta chegar lá e dizer que é mineira para ter votos dos mineiros. Falamos para o bem dela. Como é que os deputados sobreviverão em Minas pedindo votos contra quem vai teoricamente unir Minas? É difícil. Então, é um problema político, não um problema de cargo.
— Pelo que se sabe a bancada deseja o Ministério dos Transportes. E não parece haver disposição da presidente de atender. E aí? A bancada não me trouxe ainda essa reivindicação. Mas creio que temos um problema político. E esse problema político precisa ser analisado. Quem quer disputar eleição precisa analisar. Estamos falando de política nesse momento.
— A resolução do problema político passa por uma composição ministerial? Não sei te dizer. Insisto: temos um problema político que precisa ser tratado. Como ele vai ser tratado, caberá à presidenta decidir. Ela pode pensar como nós e verificar que há o problema. Se ela não entender assim, provavelmente nada fará.
— Essa queixa se restringe a Minas? Existe uma queixa generalizada. Mas o problema de Minas Gerais é agravado. Há outro aspecto: os espaços que o PMDB detém são de certa forma pouco produtivos para efeitos políticos. São preenchidos de forma muito parcial. Quando preenchidos, têm poder político zero. O que adianta você ter o Ministério do Turismo se ele não tem força? Tem que fortalecer as posições que o PMDB detém.
— O que significa preenchimento parcial? Os ministérios são compartilhados com outros partidos? São compartilhados até com a própria tecnocracia que é colocada lá.
— O sr. fala que os ministérios do PMDB geram poucos ‘efeitos políticos’. Não lhe parece que essas composições ministeriais geram prejuízos políticos? Veja bem, não estou discutindo ministérios. Até porque isso não está sendo colocado. Mas não se pode dizer que isso só é contraproducente para o partido ‘A’ e não é para o partido ‘B’. O PT tem sua posição clara, bem atendida, bem contemplada.
— Há diferença de tratamento? A diferença é muito clara. Embora os parlamentares do PT também reclamem, os outros partidos da base de apoio ao governo sentem a diferença. É preciso que haja um equilíbrio. Somos todos parceiros. Volto a afirmar: a pretensão da bancada é a de buscar a parceria e o alinhamento. A disposição não é beligerante. Mas nós precisamos ter uma visão política desse processo. Quem vai ser candidata à reeleição deve saber: quem vai pedir votos são as bases dos parlamentares. E as bases dos parlamentares têm que estar satisfeitas. Não posso ter o meu cabo eleitoral de cara feia pra mim.
— A bancada do PMDB está convencida de que a reedição da chapa Dilma-Michel Temer em 2014 é o melhor caminho? Hoje em dia a posição é essa: repetir a chapa com Michel Temer. Não vejo outro tipo de conversa no momento.
— Acha que Dilma pode ter dificuldades para se contrapor a Aécio Neves e Eduardo Campos? Não tenho dúvida de que essas duas candidaturas, a do Aécio e a do Eduardo, devem existir. E não há eleição fácil. A gente vem de um processo eleitoral em que o presidente Lula estava no ápice de sua popularidade e a eleição foi para o segundo turno. Então, é claro que podemos ter uma eleição mais difícil. É preciso ter cautela. Quem tem experiência política sabe que não se brinca com eleição.
— O que significa não brincar com a eleição? Estamos a 15 meses do começo do processo eleitoral. Quando digo que é preciso tratar com mais respeito o PMDB é disso que estou falando.
— De onde vem a propalada aversão de Dilma à sua figura? Se ela tem aversão, a mim nunca foi manifestada.
— Nem por intermédio de terceiros? Duas pessoas me informaram que foram conversar com ela a respeito dessa suposta restrição à possibilidade de eu me tornar líder. Um foi o próprio vice-presidente Michel Temer. O outro foi o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. A ambos ela negou isso.
— Acha que a antipatia pode ter origem naquele episódio de 2007, envolvendo Furnas e CPMF? Vamos deixar isso claro. Participei da indicação e nomeação do senhor Luiz Paulo Conde para a presidência de Furnas, cargo federal do Rio. Quem era o Conde? Ninguém menos que o ex-prefeito da cidade do Rio, ex-vice-governador do Rio. Estava como secretário de Estado do governo Sérgio Cabral. Era um processo político do PMDB do Rio, apoiado pelo próprio Sérgio Cabral. Não era indicação do Eduardo Cunha, era do partido no Rio. Só que eu estava no embate.
— O embate envolveu a CPMF? Eu era relator de admissibilidade da proposta da CPMF na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Eu já tinha feito o parecer. A votação não foi feita porque o DEM estava obstruindo na comissão. Um dia, enterrei um sobrinho no Rio e vim a Brasília para uma suposta sessão, que não ocorreu. Saí do enterro, peguei um avião, e vim para votar. Era uma quinta-feira. Não foi o Eduardo Cunha que atrasou a votação da CPMF. Foi a obstrução do DEM que impediu a votação. O governo não se mobilizou. Aí entrou o recesso no meio. Tenho testemunho do ministro José Múcio [hoje no TCU], que era líder do governo na época, e do ex-ministro Antonio Palocci. Fiquei com essa fama injusta.
— Com a saída de Luiz Paulo Conde de Furnas, o sr. indicou o substituto, não? O Conde ficou doente. Até hoje ele está em dificuldade. Ainda tentou, por seis meses, exercer as funções. Mas o ministro Edison Lobão [Minas e energia], com toda razão, disse que Furnas é uma empresa relevante e tem que ser dirigida em sua plenitude. Apresentou um técnico da empresa [Caros Nadalutti Filho] e pediu que nós avalizássemos a substituição. E nós avaliazamos.
— Pouco depois de assumir a Presidência, Dilma trocou o comando de Furnas. Por quê? O Jorge Bittar [do PT do Rio] fez intriga. O técnico escolhido era um superintendente de operações com mais de 30 anos de casa. Antes de virar presidente, era subordinado a um diretor ligado ao Bittar. Então, virou um problema. Ele se sentiu preterido por alguém que estava abaixo dele. Aí criaram toda a confusão. Depois disso, houve uma série de apagões causados por Furnas. Se esses apagões tivessem ocorrido no período que estava com a gente, queria ver se iriam dizer que era culpa nossa.
— A Procuradoria da República patrocina dois processos contra o sr. no STF. Não o preocupam? Tenho dois inquéritos no Supremo. Não sou réu em nenhum deles. Num, há uma denúncia apresentada que não será aceita. O voto do relator é pela rejeição, só não foi votado no pleno. Noutro, sequer há denúncia. Pelo que meu advogado informou, vai retornar ao primeiro grau porque não há nada em relação a mim. Estou absolutamente tranquilo.
— É fato que Michel Temer e Henrique Alves se distanciaram de sua campanha para a liderança do PMDB? Num primeiro momento, senti que houve um apoio do Henrique ao Sandro Mabel. Num segundo momento, acho que ele evoluiu para a neutralidade. Num terceiro momento, pelo que leio, foi o Renan que apoiou o Mabel. Devo dizer que houve também um distanciamento meu em relação a eles.
— O sr. era tão ligado a Temer e Henrique. Por que tomou distância? Esse processo todo, por incrível que pareça, acabou sendo positivo pra mim.
— Por quê? Me permitiu construir a liderança a partir do debate direto com a bancada. Entrei em contato com pessoas que eram até afastadas de mim. Então, eu me tornei líder num processo que me deu muito mais autonomia para exercer a função.
— Não deve nada às estrelas do partido? Devo a minha eleição à bancada que me elegeu. É a ela que tenho que seguir.
— Sandro Mabel, seu contendor, pediu no STF a anulação da eleição de líder. Fala sozinho ou a insatisfação é compartilhada pelos 36 deputados que votaram nele? Mabel havia disputado a presidência da Câmara contra o Marco Maia, contra o nosso projeto. Perdeu. Brigou na Justiça com o PR e foi expulso do partido. Nós o acolhemos. Fui das primeiras pessoas a recepcioná-lo. Tínhamos uma relação pessoal muito boa. Nos últimos dez dias, quando ele viu que a eleição estava perdida, partiu para outro caminho. Eu reagi às agressões. Ele perdeu. E está tendo uma atitude infantil. Li a petição dele. É ridícula. Não há fundamento jurídico nem político. Ele questiona dois votos que não teriam alterado o resultado. Além disso, para se tornar líder na Câmara, você precisa de uma lista de apoiamentos com as assinaturas de metade mais um da bancada. Nesta segunda-feira, protocolamos a lista com quase toda a bancada. Para me retirar da liderança hoje, não tem que fazer nova eleição. Tem que ter metade mais um das assinaturas. Fiz reunião de bancada nesta terça. É um tipo de encontro que nunca atrai todo mundo. Mas, dos 80 deputados do PMSB, apareceram uns 60. Se isso não é representativo, não sei o que é representatividade. A unanimidade, dizia Nelson Rodrigues, é burra.
Tá no josias
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