Opinião

Um Parlamento imutável
Mauro Santayana
Os argumentos dos que contestam a eleição dos presidentes do Senado federal e da Câmara dos Deputados podem ser outros — e não nos cabe analisá-los. O que incomoda a consciência dos mais bem informados é a permanência dos mesmos atores políticos no poder ao longo dos lustres e dos decênios. Como lamentava o jornalista José Aparecido durante o período da Ditadura, o único consolo é que podemos contar com a inexorável sucessão biológica.

Dois fatores, um mais antigo, e outro mais recente, contribuíram para a situação atual: a Ditadura, que impediu, mediante todos os artifícios do poder, a renovação dos quadros políticos, e o instituto da reeleição para os cargos executivos. A ministra Carmen Lúcia disse, com acuidade, que a reeleição quebra o equilíbrio que deve haver, nas disputas políticas, entre o governo e a oposição. Podemos entender, no sentido lato, dentro de nossa língua e da nossa visão de Estado, que, como governo, compreende-se o Poder Executivo e a maioria parlamentar que o apoia. Com a reeleição, a vantagem dos que se encontram no poder esmorece e dificulta a ação dos opositores.

A Ditadura impediu a renovação dos quadros políticos e o instituto da reeleição para os cargos executivos
Entre 1926, quando houve a última eleição regular da República Velha, com a vitória de Washington Luís (a de 1930 foi politicamente espúria, com a quebra das regras federativas e a fraude explícita) e a morte de Getulio, em 1954, passaram-se 28 anos, sendo que oito deles sob o Estado Novo. Não obstante isso, houve notável renovação dos quadros políticos, conforme a composição do Congresso e da Assembleia Nacional Constituinte de 1946. Se examinarmos a história dos últimos 28 anos — de 1983, com a posse dos governadores eleitos no ano anterior, e este início de ano de 2013, podemos verificar que o comando do Poder Legislativo sofreu poucas alterações. É certo que novos partidos surgiram, como o PT, mas o comando efetivo continua com as velhas oligarquias, em uma aliança entre os senhores de engenho, os capitães do agronegócio, os controladores do capital financeiro e os grandes empresários, nacionais e estrangeiros, com seus escritórios em São Paulo. Repete-se, de alguma forma, o que havia no Império, com a aliança entre os exportadores de açúcar do Nordeste e os comerciantes da praça do Rio de Janeiro.

Contribui também para isso a deformação do sistema representativo, com o superdimensionamento das bancadas dos pequenos estados e a redução das bancadas dos maiores. Deveríamos obedecer à lógica federativa, que determina a representação proporcional legítima dos estados na Câmara dos Deputados, conforme sua população e eleitorado, e a representação paritária dos estados no Senado. A essa deformação se acrescenta outra, ainda mais teratológica — os suplentes dos senadores.

Outros males, como a corrupção, existem em todos os países do mundo, mas esses aleijões republicanos são peculiares ao nosso sistema, e só deixarão de existir quando a nação exigir e obtiver a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte originária, com o mandato único para redigir nova Carta, sem a intervenção dos atuais partidos.

Para isso, é preciso que os cidadãos honrados deixem de protestar, que arregacem as mangas, se organizem e participem diretamente da luta política.

 

Mauro Santayana é um dos mais competentes jornalistas do Brasil e meu amigo.




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