Com o título “O acordo que mata o Cocó”, eis artigo do procurador da República Alessander Sales sobre a polêmica em torno do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a gestão da ex-prefeita Luizianne Lins e um grupo que quer construir em área do Cocó. Para ele, “um embuste”. Confira:
Novamente está em curso uma tentativa de apropriação de uma das áreas urbanas mais nobres de Fortaleza, destinada à futura implantação do Parque do Cocó. A atual estratégia é apresentar ao Judiciário, para homologação, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre empresários e Prefeitura de Fortaleza no apagar das luzes da gestão anterior, que permitiria construções em áreas ambientalmente protegidas. Trata-se de mais um embuste, cuja fragilidade jurídica é facilmente demonstrada.
A Constituição Federal declara ser o meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental, de natureza difusa, ou seja, de toda a sociedade. Ademais, a Lei Federal 6.938/81 afirma taxativamente que o meio ambiente é patrimônio público.
Sendo assim, não é juridicamente possível que alguém possa arvorar-se na titularidade individual deste direito para com ele transigir, firmando compromissos sem qualquer validade jurídica, notadamente naquilo em que conflita com o que está fixado na legislação federal que trata da utilização de áreas de preservação permanente. Nem mesmo através de lei municipal seria isto possível, pois os municípios não podem afrouxar a proteção estabelecida pela lei federal para dunas, mangues e matas ciliares.
A postura adotada pelo Judiciário nestes acontecimentos também é inusitada. O malsinado acordo necessita, para produzir efeitos, de uma homologação judicial, que existe justamente para aferir a legalidade de seu conteúdo. Ora, não pode o Judiciário, conhecedor das disposições constitucionais e legais protetoras dos ecossistemas existentes na área em litígio, cobrir com o manto sagrado da legitimidade tão inusitada avença, permitindo a apropriação do patrimônio público – meio ambiente – por alguns em detrimento de seu verdadeiro titular, a sociedade, nada justificando tal postura, ainda mais quando proveniente de magistrados experimentados, presumivelmente cumpridores de seus deveres funcionais e comprometidos com a efetivação da Constituição.
Enfim, já tendo a nova administração municipal se manifestado publicamente contra o acordo, resta aos magistrados responsáveis pelas homologações, devidamente provocados pela via recursal própria, reconsiderarem suas equivocadas decisões, demonstrando para a sociedade, definitivamente, que estas bisonhas tentativas jurídicas não irão prevalecer.
Assim, quem sabe, a sociedade passe a respeitar e não a temer a atuação do Judiciário na resolução desses litígios entre o interesse público e o privado, enquanto aguarda que o Governo do Estado desperte de sua inércia e crie, de uma vez por todas, o Parque do Cocó.
* Alessander Sales
ascom@prce.mpf.gov.br
Procurador da República no Ceará.
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