Congresso planeja cuidadosamente seus erros
Após migrar do jejum da ditadura para o banquete de poderes da
Constituinte de 1988, o Congresso experimentou uma saborosa sensação de
utilidade. Nessa época, os congressistas acreditavam que, aberta a porta
dos estímulos, seriam capazes de saciar todos os apetites da nação.
Decorridas mais de duas décadas, o Congresso vive uma fase de perversa originalidade: tornou-se irrelevante. No alvorecer da redemocratização, erguera-se do túmulo da mediocridade existencial. Agora, flerta com o pior tipo de morte –o suicídio. Afinal, para que serve o Congresso Nacional?
São quatro as serventias: representar a sociedade, produzir leis, fiscalizar o Executivo e debater as grandes questões nacionais. O Congresso brasileiro já não se desincumbe de nenhuma dessas atribuições. Único lugar em que os ratos conseguem botar a culpa no queijo, o Congresso não representa senão interesses mesquinhos dos próprios congressistas e de seus financiadores.
Embora apelidado de Legislativo, só legisla de raro em raro. Perto de 90% da produção das leis tem origem no Executivo. Quando não estão carimbando as medidas provisórias que lhes chegam do Planalto, deputados e senadores estão cumprindo ordens do Judiciário –aprovem novas regras para o Fundo de Participação dos Estados; ponham para andar, em ordem cronológica, a fila dos 3 mil vetos presidenciais. Façam isso, providenciem aquilo…
Fiscalizações do Executivo há de dois tipos: as que jamais são abertas e as que são enterradas vivas. Quanto ao debate dos grandes temas nacionais, vem sendo obscurecido pela grandeza da vista curta e pelo brilho dos interesses mesquinhos. Atrofiou-se a mais comezinha das atividades: o ato de parlare (falar), que deu origem ao vocábulo Parlamento. Não faltam assuntos. O interesse é que está à míngua.
Estudiosos e jornalistas se exaurem tentando entender e criticar o Congresso à luz dos conceitos clássicos e da lógica do bom senso. Não chegarão a lugar nenhum. O Congresso não é figurativo, mas abstrato. Há anos que os congressistas planejam cuidadosamente os seus erros. Os parlamentares não se interessam mais pela omelete. Eles gostam é do crec-crec, o barulhinho dos ovos quebrando.
O Congresso demarca com tanto cuidado os seus erros que virou um suicida didático. Denuncia os próprios equívocos cometendo-os em série. O penúltimo chama-se Renan Calheiros. Numa espécie de harakiri coletivo, seus pares o devolveram à Presidência do Senado, nada menos do que isso. Tomando-se Renan pelo prontuário, é difícil imaginá-lo exercendo função de alguma responsabilidade em outro lugar que não seja o Congresso.
Sob as cuias do Congresso –a empada e o quindim de Niemeyer— sempre se abrigaram os paradoxos. Ali concentram-se ao mesmo tempo a nobreza e a vileza –a nobreza de um templo da democracia e a vileza de uma catedral de todos os trambiques.
Noutros tempos, os congressistas foram capazes de construir soluções como a eleição de Tancredo Neves e o impeachment de Fernando Collor. Hoje, radicalizam na picaretagem. Tudo às escâncaras. Sonegam à plateia até a delicadeza da dissimulação.
Ainda há no Congresso gente interessada em tirar o pé da poça de vícios. Entre os 513 da Câmara, a quantidade de incomodados será conhecida nesta segunda (4). No Senado, apenas 18 dos 81 senadores revelaram-se dispostos a guerrear contra o monstro do mesmo (eram 28, mas dez se perderam no breu da votação secreta. Entre eles seis tucanos).
Do outro lado da praça, Dilma Rousseff repete FHC e Lula. Luta por uma biografia ao mesmo tempo que cuida da unidade do condomínio partidário, que deseja as benesses do poder, não um bom nome. Deve doer na consciência da ex-guerrilheira a ideia de que faz o papel de rainha numa peça confusa, cujo epílogo é protagonizado ora pelo Sarney ora pelo Renan. Tudo sob aplausos do Collor e do Maluf.
Decorridas mais de duas décadas, o Congresso vive uma fase de perversa originalidade: tornou-se irrelevante. No alvorecer da redemocratização, erguera-se do túmulo da mediocridade existencial. Agora, flerta com o pior tipo de morte –o suicídio. Afinal, para que serve o Congresso Nacional?
São quatro as serventias: representar a sociedade, produzir leis, fiscalizar o Executivo e debater as grandes questões nacionais. O Congresso brasileiro já não se desincumbe de nenhuma dessas atribuições. Único lugar em que os ratos conseguem botar a culpa no queijo, o Congresso não representa senão interesses mesquinhos dos próprios congressistas e de seus financiadores.
Embora apelidado de Legislativo, só legisla de raro em raro. Perto de 90% da produção das leis tem origem no Executivo. Quando não estão carimbando as medidas provisórias que lhes chegam do Planalto, deputados e senadores estão cumprindo ordens do Judiciário –aprovem novas regras para o Fundo de Participação dos Estados; ponham para andar, em ordem cronológica, a fila dos 3 mil vetos presidenciais. Façam isso, providenciem aquilo…
Fiscalizações do Executivo há de dois tipos: as que jamais são abertas e as que são enterradas vivas. Quanto ao debate dos grandes temas nacionais, vem sendo obscurecido pela grandeza da vista curta e pelo brilho dos interesses mesquinhos. Atrofiou-se a mais comezinha das atividades: o ato de parlare (falar), que deu origem ao vocábulo Parlamento. Não faltam assuntos. O interesse é que está à míngua.
Estudiosos e jornalistas se exaurem tentando entender e criticar o Congresso à luz dos conceitos clássicos e da lógica do bom senso. Não chegarão a lugar nenhum. O Congresso não é figurativo, mas abstrato. Há anos que os congressistas planejam cuidadosamente os seus erros. Os parlamentares não se interessam mais pela omelete. Eles gostam é do crec-crec, o barulhinho dos ovos quebrando.
O Congresso demarca com tanto cuidado os seus erros que virou um suicida didático. Denuncia os próprios equívocos cometendo-os em série. O penúltimo chama-se Renan Calheiros. Numa espécie de harakiri coletivo, seus pares o devolveram à Presidência do Senado, nada menos do que isso. Tomando-se Renan pelo prontuário, é difícil imaginá-lo exercendo função de alguma responsabilidade em outro lugar que não seja o Congresso.
Sob as cuias do Congresso –a empada e o quindim de Niemeyer— sempre se abrigaram os paradoxos. Ali concentram-se ao mesmo tempo a nobreza e a vileza –a nobreza de um templo da democracia e a vileza de uma catedral de todos os trambiques.
Noutros tempos, os congressistas foram capazes de construir soluções como a eleição de Tancredo Neves e o impeachment de Fernando Collor. Hoje, radicalizam na picaretagem. Tudo às escâncaras. Sonegam à plateia até a delicadeza da dissimulação.
Ainda há no Congresso gente interessada em tirar o pé da poça de vícios. Entre os 513 da Câmara, a quantidade de incomodados será conhecida nesta segunda (4). No Senado, apenas 18 dos 81 senadores revelaram-se dispostos a guerrear contra o monstro do mesmo (eram 28, mas dez se perderam no breu da votação secreta. Entre eles seis tucanos).
Do outro lado da praça, Dilma Rousseff repete FHC e Lula. Luta por uma biografia ao mesmo tempo que cuida da unidade do condomínio partidário, que deseja as benesses do poder, não um bom nome. Deve doer na consciência da ex-guerrilheira a ideia de que faz o papel de rainha numa peça confusa, cujo epílogo é protagonizado ora pelo Sarney ora pelo Renan. Tudo sob aplausos do Collor e do Maluf.
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