Reunidos,
na Escola de Saúde Pública do Ceará, na noite de segunda-feira, para
recepcionar os médicos que chegavam do exterior para participar do
Programa Mais Médicos, os profissionais da área que ali estavam foram
surpreendidos por, pelo menos, 40 colegas brasileiros que, liderados
pelo Sindicato dos Médicos do Ceará, agrediram, grosseiramente, os seus
colegas de outros países.
Chamando
os médicos cubanos de “incompetentes” e classificando todos eles na
categoria de “escravos” que deveriam voltar para as senzalas, os médicos
brasileiros, segundo os organizadores do evento, tumultuaram a
solenidade a tal ponto que a segurança do prédio teve que proteger os
que ali estavam enquanto a polícia chegava.
Para
contrapor-se a esse gesto que foi considerado de ”profunda
deselegância”, a Secretaria de Saúde do Ceará e o Ministério da Saúde,
representado por Odorico Monteiro, promoveram uma reunião de desagravo
ontem, a partir das 10h30min na Escola de Saúde Pública.
Nota
Durante
a reunião foi apresentado um documento intitulado Nota de Desagravo aos
Médicos Estrangeiros. O texto foi lido pelo médico sanitarista Manuel
da Fonseca, que emocionou o público. Principalmente quando, comovido,
parou de ler, por um instante, e foi aplaudido de pé.
Terminada
a leitura da nota, assinada pela Associação 64/68, Comissão de Anistia
Wanda Sidou, Associação dos Juízes Para a Democracia, Comitê Ceará
Memória Verdade e Justiça e Associação Amizade Brasil/Cuba, o público
presente, que lotava o auditório, tomou conhecimento do seguinte: Cuba
não tem riqueza, afirmava a nota. “A sua riqueza é seu povo. São seus
médicos. A sua solidariedade.” “Incompetente?” perguntava ela para, em
seguida, mostrar para os manifestantes da noite de segunda-feira, que
estavam enganados quando diziam isso. Para os que assinaram o documento,
os indicadores de saúde de Cuba se assemelham com os dos países mais
desenvolvidos.
A
mortalidade infantil, segundo a nota, é muito menor em Cuba do que nos
Estados Unidos e há 30 anos que o governo cubano desenvolve um programa
denominado Saúde de Família, que é referência em todo o mundo. Para
terminar, Manoel José da Fonseca citou um pequeno poema de José Marti no
qual o poeta cubano do século XIX afirma que “cultiva uma rosa branca e
não cardos e urtigas para seus amigos”.
Hipócrates ou Hipocrisia
Passando
a palavra para Mário Albuquerque, presidente da Comissão de Anistia
Wanda Sidou, ele lembrou o tempo em que foi preso político com muitos
outros companheiros. Nesse período, segundo Mário, muitos integrantes do
Partido Comunista também foram exilados e, como muitos cubanos que ali
estavam, souberam valorizar algo que aqueles que se manifestaram no dia
anterior, não conheciam: a solidariedade internacional. O Juiz do
Trabalho aposentado e representante do Comitê Verdade e Justiça do
Ceará, Sílvio Mota, fez um trocadilho com o juramento de Hipócrates,
feito pelos médicos, quando se formam. Para ele, o que o Sindicato dos
Médicos fez, na noite de segunda-feira, foi transformar o juramento de
Hipócrates em hipocrisia.
Deputado
estadual Antônio Carlos, do PT, começa seu discurso em espanhol, para
melhor prestigiar os cubanos, enquanto Veveu Arruda, prefeito de Sobral,
discorreu sobre a situação da saúde na América do Sul. Segundo ele, o
Brasil dispõe de 1,7 médicos para cada mil habitantes. No Ceará, a
proporção é bem menor. Apenas um médico para cada habitante. No Uruguai,
segundo ele, são 3,8 médicos e, na Argentina, 3,2. A situação,
portanto, é muito precária. Sobral, por exemplo, precisa, no momento de
pelo menos 20 médicos e, para mostrar que estaria disposto a receber
aqueles que se dispusessem a ir para lá, fez um desafio: Se estivesse na
Escola de Saúde Pública do Ceará, na noite de segunda-feira, indagaria
aos 40 profissionais da saúde que ali estiveram protestando se estariam
dispostos a trabalhar em Sobral. “Duvido que quisessem.”, conclui o
discurso.
O
secretário de Saúde do Ceará em seguida, Arruda Bastos, que presidia a
mesa, disse que a solenidade teve fim depois que alguns cubanos disseram
de público que estavam aqui, no Brasil, para somar e não para dividir.
Depois todos se levantaram e, acompanhando a voz de uma cubana que
desafinava um pouco, é verdade, cantaram “Guantanamera”, música de
Josito Fernandez, com letra de José Martí.
SINDICATO DOS MÉDICOS DEFENDE MANISFESTAÇÃO
José
Maria Pontes, presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará, afirma, no
entanto, que a manifestação de segunda-feira não foi contra os médicos
cubanos. Quando os manifestantes gritavam a palavra “escravo” não
estavam se referindo ao tempo em que os países colonizados como o
Brasil, inclusive, adotavam esta prática, mas a forma como estavam sendo
contratados.
Para
José Maria Pontes, os cubanos que aqui estão, no Brasil, não vão
receber o salário integral. Boa parte do salário deles vai para o
governo de Cuba. Também não terão direito a se casar aqui, no Brasil,
sair da região onde se encontram ou receber o 13º salário. ”Trabalhar
assim, portanto, sem ter a proteção das leis trabalhistas vigentes no
País onde se encontram, é ser tratado como escravo e não como
profissional. A manifestação, nesse caso, não era contra eles. Mas a
favor deles.” – enfatiza o médico sindicalista.
Os
manifestantes, naturalmente, também defendem o Revalida. Como ele não
vai ser aplicado nos profissionais contratados através do programa do
governo brasileiro “Mais Médicos”, é natural que chamassem a atenção
para a possibilidade de incompetência de qualquer médico de qualquer
país que venha para o Brasil trabalhar neste programa.
“O
alvo da manifestação, no entanto, eram os gestores e não os
profissionais da área da saúde. Tanto assim que quando saíram da Escola
de Saúde Pública, os manifestantes seguiram o Odorico que é, no Ceará, o
representante do Ministério da Saúde e não os médicos cubanos. O que
acontece, segundo ele, é que a mídia, normalmente, divulga aquilo que o
governo quer e não aquilo que, de fato, aconteceu. Assim, transformaram
palavras de protesto político em prol da saúde, em termos
preconceituosos. Quando isso não existiu.” – finaliza José Maria Pontes.
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