Motivos quais não se quer a Copa do Mundo no Brasil?

Gurgel recorre ao STF contra lei que concedeu isenção tributária ampla, geral e irrestrita à Fifa

Num instante em que se despede do cargo de procurador-geral da República, Roberto Gurgel protocolou no STF uma ação contra dispositivos de uma lei sancionada por Lula (12.350/2010) e de um decreto editado por Dilma Rousseff (7.578/2011). Pede na petição que o Supremo decrete a inconstitucionalidade dos trechos da lei e do decreto que asseguram isenção tributária ampla, geral e irrestrita à Fifa nos negócios relacionados à Copa das Confederações, já realizada, e à Copa do Mundo, marcada para 2014.
A lei e o decreto atacados por Gurgel foram elaborados para assegurar compromissos assumidos pelo governo Lula com a Fifa. Na ação, o procurador-geral menciona a “Garantia número 4”, de 2007. Nesse documento, a pretexto de trazer as competições para o Brasil, o Ministério da Fazenda comprometeu-se a assegurar à Fifa e a todos os seus parceiros comerciais “isenção geral de impostos.” A petição do chefe do Ministério Público inclui um pedido de liminar para suspender imediatamente os benefícios, antes do julgamento final da ação.
Gurgel anota na ação que a isenção tributária é um favor fiscal que deve ser condicionado à obtenção de benefícios para a sociedade. No caso da Fifa, sustenta o procurador-geral, “não se vê por parte dos beneficiários da isenção a prática de contrapartida em favor do interesse público, senão um mero ato de liberalidade do ente tributante, que visa a concessão de privilégios indevidos.”
Para a Procuradoria, os favores concedidos à Fifa violam três princípios constitucionais: “igualdade, generalidade e razoabilidade”. Daí o pedido para que o STF reconheça a inconstitucionalidade dos privilégios. “As garantias prestadas à Fifa pelo Brasil por ocasião da candidatura do país para sediar a Copa do Mundo Fifa 2014 não têm o condão de sobrepor-se à Constituição da República”, escreveu Gurgel. Ele acrescentou que os congressistas brasileiros não poderiam ter aprovado lei que favorece a Fifa em detrimento dos contribuintes nacionais.
A coisa ofende o princípio da generalidade porque não haveria justificativas plausíveis para tratar a Fifa e seus parceiros de forma diferenciada. “A alegação de que a medida tem um interesse logístico na facilitação da organização da Copa do Mundo não é motivo constitucionalmente relevante para legitimar a isenção concedida”, sustentou Gurgel.
Os benefícios ferem o princípio da razoabilidade porque não faz nexo conceder favores fiscais a “pessoas físicas e jurídicas com elevada capacidade contributiva.” Quando isso ocorre, anotou Gurgel, a isenção vira um “favorecimento ilegítimo que afronta os artigos 3º e 150 da Constituição da República.”
O princípio da igualdade foi desrespeitado porque os benefícios concedidos à Fifa e Cia. constituem uma “dicriminação irregular em desfavor de [contribuintes] nacionais.” Para Gurgel, “não se vislumbra […] correlação lógica para o benefício tributário, mas apenas a tentativa de aumentar os lucros da Fifa.”
Essa foi a segunda vez que o procurador-geral recorreu ao STF contra privilégios concedidos pelo Estado brasileiro à Fifa. Gurgel já havia ajuizada ação de inconstitucionalidade contra a “isenção de custas e despesas processuais”, prevista na Lei Geral da Copa (12.663/20012). Nos dois casos, o procurador-geral se mexeu a pedido do ‘Grupo de Trabalho Copa do Mundo Fifa Brasil de 2014’, que funciona no âmbito da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.
A nova ação da Procuradoria transforma em pó o lero-lero que Dilma Rousseff esgrimiu em junho, quando os privilégios à Fifa viraram mote dos protestos de rua. A presidente dissera que “não há dinheiro público na Copa.” Ora, ao abrir mão dos impostos e contribuições, o governo se priva de obter recursos para investimentos que ajudariam a alcançar o “padrão Fifa” na saúde e na educação.

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