Análise
Venda do jornal para a gigante do varejo digital é simbólica
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na reunião mundial de ombudsmen em Washington em 2009, em um debate no
Museu da Notícia, a publisher do "Washington Post", Katharine Weymouth,
então com 42 anos, entrou numa velada competição com Ben Bradlee, o
ex-editor-chefe de seu jornal, então com 88, pela atenção dos
participantes.
Ela estava na mesa, ele, na plateia. Mas, quando alguém dirigiu a Bradlee uma pergunta, ele se tornou a atração, para evidente desagrado da neta de Katharine Graham, sua avó, que em parceria com o jornalista levou o diário a seus momentos de maior glória.
Weymouth foi a quinta e última pessoa da família a ocupar a função de publisher. Seu bisavô Eugene Meyer comprou o título em 1933, perdeu muito dinheiro com ele por 20 anos, mas, quando o entregou ao genro Phil Graham, acertou em cheio.
Graham era amigo de John Kennedy e Lyndon Johnson. No governo de ambos, o "Post" surfou nas ondas do poder. Comprou a revista "Newsweek" e diversas emissoras de TV. Bipolar, matou-se em 1963. A viúva, Katharine, o sucedeu.
A aliança de Katharine com Bradlee, que assumiu a Redação em 1968, era perfeita. O respeito mútuo e a confiança recíproca permitiram que o "Post" se consagrasse em dois dos mais importantes casos do jornalismo do século 20: Watergate e Documentos do Pentágono.
A matriarca foi sucedida pelo filho, Don, em 1993, e com ele começaram os problemas. Era o início da internet, o "Post", como a maioria de seus concorrentes, parecia não enxergar o tamanho da ameaça e foi incapaz de arrumar saídas eficazes para enfrentar o desafio.
A única boa aposta empresarial do "Post" nestes anos difíceis foi a compra da Kaplan, que oferecia cursos à distância e material pedagógico impresso. Em 2010, a Kaplan respondia por 62% do faturamento do grupo. Mas uma série de problemas legais a atingiu a partir de 2011.
É provavelmente injusto atribuir a Weymouth, que assumiu o poder em 2008, a debacle do "Post". Mas ela não ajudou nada, quando achou que seria uma boa ideia para levantar dinheiro vender a empresários, políticos e lobistas por preços que variavam de US$ 25 mil a US$ 250 mil assentos à sua mesa de jantar em casa para desfrutar da companhia e da conversa com ela própria e seus principais repórteres e editores.
É simbólico que o "Post", ícone do jornalismo impresso, acabe nas mãos da Amazon, que ajudou a tirar do mercado milhares de livrarias dos Estados Unidos.
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