Opinião

Sim à não violência, por Zuenir Ventura

Zuenir Ventura, O Globo
Estou igual àquele jornalista do interior que, quando Hitler invadiu a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial, escreveu: “Bem que eu avisei.” No dia 29 de junho, quando ainda se comemorava o despertar do gigante, “avisei” que em alguns setores da sociedade já se notavam sinais de preocupação e medo.
É que logo depois de quatro dias de tumulto no Centro do Rio, shoppings, lojas de rua, hotéis, além de clínicas médicas e odontológicas, reclamavam da queda de 50% no faturamento e dos estragos materiais sofridos.
Eu falava no “risco de desvirtuamento das manifestações” — que tinham conquistado rapidamente o apoio da população — causado pela “infiltração de vândalos, arruaceiros e demais bandidos encapuzados”.
Estava virando rotina: as passeatas começavam pacíficas, ordeiras, iam engrossando e acabavam em arrastões, com coquetéis molotov, quebra-quebra, invasões de edifícios públicos, saques. Alegava-se com razão que a polícia tinha começado tudo, com sua costumeira truculência, e que a PM do Rio e de SP infiltrara agentes nos protestos para incitar a desordem.
Mas o fato é que a violência foi contaminando o movimento e, de lá para cá, o quadro só se agravou, com o esvaziamento da participação. Um retrato disso é o que aconteceu na Cinelândia, no Rio, onde há pouco mais de um mês se concentraram 200 mil manifestantes e, anteontem, não mais de 200, que paralisaram a cidade por sete horas, sobrepondo-se ao direito de ir e vir, tão legítimo quanto o de se reunir.

Tentativa de invasão ao hospital Sírio-Libânes é contida por PMs

Mais grave ainda foi a tentativa de invasão do Hospital Sírio-Libanês em SP por 50 enfurecidos gatos pingados para reivindicar melhores condições de atendimento à população, como se esse tipo de ação tivesse alguma eficácia. No episódio, a falta de limites atingiu o auge da insensatez.
Por tudo isso é que já se ouvem aqui e ali indignados desabafos do tipo: “chega!”, “já está demais!” Como já vi um filme parecido, em que a “violência revolucionária” levou à prisão, ao exílio e à tortura uma parte do que havia de melhor numa geração, acho que esses jovens de agora, pelo menos os que acreditam na “violência como expressão política”, deveriam se inspirar menos na força bruta e mais na não violência ativa e eficaz, aquela de Gandhi, Martin Luther King e Mandela, que não tinham nada de inofensivos pacifistas.
É bom lembrar que, com ela, o líder indiano conquistou a independência do seu país; o pastor americano derrubou as leis segregacionistas contra os negros; e o grande herói sul-africano pôs fim ao apartheid.

Zuenir Ventura é jornalista.

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