As histórias de Geraldo Duarte


Lampião fugido e não pago

Geraldo Duarte*

Mossoró, Rio Grande do Norte, Tarde de 13 de junho de 1927.

Após dominar o município de Luiz Gomes e o povoado de São Sebastião, hoje Dix-sept Rosado, Lampião e seu bando tentam ocupar a cidade.

Antes, por telegrama, o chefe dos celerados exigira 400 contos de réis para não invadir a localidade.

Devido à elevada quantia para a época, mesmo sem contar com forte contingente policial, o então prefeito Rodolfo Fernandes de Oliveira não respondeu a ameaça e organizou forte defensiva.

Em telhados, campanários, caixas d’água, trincheiras, barricadas improvisadas com fardos de algodão e locais estratégicos outros se instalaram homens armados para enfrentar os facínoras.

Cinquenta e três cangaceiros, em três grupos, atacaram a residência de Rodolfo e a estação ferroviária, instalando-se, um deles, no Cemitério São Sebastião.

Quase uma hora demorou o embate, inclusive com registro de chuva. Restou, ao final, a morte do quadrilheiro Colchete, sem qualificação precisa, e a prisão de José Leite de Santana, o famigerado Jararaca, pernambucano, nascido em Buíque, em 05/05/1901. Este, passados alguns dias da prisão, foi levado da Cadeia Pública de Mossoró e morto por um grupo de policiais que, sob a alegação de o transferirem para Natal, levaram-no ao cemitério e o executaram.

Sobre o assassinato, o capitão Abdon Nunes, comandante do destacamento de polícia de Mossoró relatou: “Foi-lhe dada uma coronhada e uma punhalada mortal. O bandido deu um urro e caiu na cova, empurrado. Os soldados cobriram-lhe o corpo com areia.”. Há comentários de que teria sido enterrado ainda vivo.

Os mossoroenses defenderam-se heroicamente e a cangaceirada bateu em retirada. A vergonhosa fuga, rumo ao Ceará, deu-se seguindo a posteação telegráfica e findando na cidade de Limoeiro do Norte.

Os bandoleiros estiveram, também, em Jaguaribara, Milagres, Aurora e, em 4 de julho, Juazeiro do Norte, quando o “Rei do Cangaço” visitou o padre Cícero Romão Batista.

Tornaram-se realidade algumas superstições temidas pelo cangaceiro-maior, as quais jamais havia desrespeitado e, inexplicavelmente, menosprezou naquela refrega. Não invadir lugar que possua igreja de duas torres ou que Santa Luzia, de quem era devoto, fosse padroeira. Sua cobiça pela riqueza fez-se mais forte que as crendices aceitas.

“Igreja que tem a bunda redonda e que até santo atira, não é bom local para lutar.”. Disse depois em referência ao templo de São Vicente, possuidor do formato e, de onde, um atirador oculto por trás da imagem do santo, na torre do sino, atirava contínua e certeiramente.

Dois fatos curiosos relativos a essa cangaceiragem registraram-se.

No Ceará, Bom Jardim, distrito de Pereiro e atual município de Potiretama, amargou ataque de Virgulino e sua horda. A loja e o engenho de Manoel Paulino de Almeida, Seu Manezim, pai de nosso amigo Raimundo Gonçalves de Almeida, auditor aposentado da Receita Federal, sofreram saques. Além de dinheiro, jóias, mercadorias várias e a aliança do comerciante, levaram todas as rapaduras de uma carga.

No Rio Grande do Norte, a potiguar Neide Santiago, funcionária da antiga Estrada de Ferro de Mossoró, tempos depois da derrota do cangaceirismo à invasão de sua terra, garantiu haver recebido uma graça do principal capanga do capitão Virgulino. Em agradecimento, mandou construir um túmulo com o seguinte texto cinzelado na laje: “Aqui jaz José Leite de Santana, vulgo ‘Jararaca’. Nasceu em 1901 – Faleceu 19-06-1927”.
 
O jazigo é constantemente visitado e, em Dia de Finados, reúne o maior número de pessoas. Verdadeira romaria. Rezam, fazem pedidos de graças, pagam promessas, acendem dezenas de velas e crêem no malfeitor como verdadeiro santo.

Com tantas crendices, milagre ou não, a sustança do jerimum com leite, prato típico regional, naquela data consagrada a Santo Antônio, fez o aterrorizador Lampião fugido e não pago.

                                                                              *Geraldo Duarte é advogado, administrador e dicionarista.
 

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