Da cabeça do irmão Brito


Brasília: tão bela, tão jovem. E tão abandonada

Texto e fotos, por Orlando Brito
Terei, no fevereiro próximo, daqui a um mês, 64 de idade. Mas sou jornalista há séculos. Amigos do peito e bem humorados dizem até que cobri a primeira missa, celebrada pelo Frei Henrique de Coimbra no litoral da Bahia nos idos do ano da graça de 1500. Viajei esse mundão de Deus, com minha profissão pendurada no pescoço retratando tudo que é notícia, coisa bonita e coisa feia, gente bacana e gente nem tanto.
Sempre colhendo a imagem de tudo para jornais e revistas para os quais trabalhei e trabalho. Acabei fazendo amigos em todo canto, especialmente fotógrafos, como eu. De Tóquio a Marabá. De Paranavaí a Roma. De Vancouver a Juiz de Fora. De Luanda a São Paulo, Rio, Belém, Curitiba, México, Lucas do Rio Verde, New York, Canela e Botucatu…
Pois bem, no domingo passado, dia 5 de janeiro, um desses tantos amigos – fotógrafo de uma agência sediada em Paris e casado com uma redatora – veio ao Brasil retratar as cidades que vão sediar a Copa do Mundo, que esse ano será realizada aqui em nosso País.
Esteve no Rio. Fotografou aquela maravilha de cidade que é São Sebastião do Rio de Janeiro, com sua inegável vocação para a beleza. Foi também a São Paulo, cheia de pujança econômica, lugar admirável por inúmeras facetas. Passou por Cuiabá e Manaus. Fez fotos do lado amazônico brasileiro. Foi ainda ao Nordeste – às luminosas Recife, Natal e Fortaleza – e agora chegava a hora de estar em Brasília. A capital que nasceu com o signo de ser alegre, leve a bela.
Fui buscar o casal amigo no aeroporto. Queria retribuir a atenção que me dão quando passo por sua terra. Ainda no aeroporto, pedi desculpas pela muvuca. Compreende-se perfeitamente porque a falta de qualidade em tudo se dá por conta das obras que vão bacanizar o lugar. Não custa lembrar que o lema “tudo pela Copa” virou explicação para o quanto há de errado e ruim em Brasília. Na verdade, não somente na Capital, mas também em outras cidades-sede.
Levei o casal de jornalistas primeiramente à plataforma superior da Rodoviária, no coração da cidade. De lá meu amigo poderia colher as fotos bacanas que precisava: mostrar a perfeita organização dos prédios públicos da Esplanada dos Ministérios, emoldurada pelo enorme gramado, com o Teatro Nacional à esquerda, o Congresso ao fundo e a Catedral Metropolitana e o Museu da República à direita. Um horror. Um horror é como ficou o projeto urbanístico de Lúcio Costa. Tudo sujo, com pichações, peças quebradas. Uma reforma que jamais se conclui.
Foi quando, a senhora perguntou-me com fina ironia, depois de observar aquilo que eu e todos os habitantes da cidade bem sabemos:
- Na Capital do Brasil é proibido sinalizar as pistas, avenidas e ruas? Elas são importante para orientar os motoristas que por elas transitam, para a segurança de pedestres e condutores!
Aliás, vai aqui um alerta de alguém que tem o olhar voltado para tudo: Atenção senhores gestores da cidade: é muito provável que uma daquelas placas de mármores que revestem a Estação Rodoviária pode cair e atingir algum transeunte. Atenção!!! É como caco de vidro  na areia de praia. Está escrito que aquilo vai terminar em tragédia. É a crônica da tragédia prevista.
Na outrora tão bela Catedral Metropolitana, uma das mais refinadas obras que Oscar Niemeyer criou, clima de feira de quinta categoria. Os vendedores de quinquilharias tomaram conta de vez, na maior desorganização. E sujeira. É o que virou um dos mais belos cartões postais de Brasília. Coisa de terceiro mundo.
As estátuas dos quatro evangelistas cuidadosamente plantadas à entrada misturam-se à confusão geral dos ambulantes. Uns até usam as esculturas de Alfredo Ceschiatti como base para montar suas bancas. Sem falar do lixo, isso mesmo, lixo, sacos de lixo a céu aberto.
Impossível, impossível fazer uma fotografia limpa da Catedral de Brasília. Tanto eu quanto meu amigo fotógrafo da agência sediada em Paris, que veio fazer imagens da capital do país que sediará a próxima Copa do Mundo constatamos isso. Você também já deve ter visto e, portanto, concorda.
Caminhamos então até o Museu da República, outra maravilha do doutor Oscar. Nova surpresa negativa. A “pele”, ou melhor, a parede branca que o recobre sua superfície de forma redonda, está igualmente a outros monumentos, com falhas na pintura. manchas do descaso. Feia a coisa. Assim também está a premiada Ponte JK, que liga o Lago Sul ao Plano Piloto, com placas de massa caídas e algumas ferrugens. Feia mesmo a coisa. A ponte tem fraturas expostas.
Segui meu papel de cordial cicerone, guia de um amigo fotógrafo de agência internacional que veio fotografar a Capital do Brasil para apresentar aos olhos de pessoas de mundo a fora a imagem do país que será sede do próximo campeonato mundial de futebol. Em vão. Na tão famosa e importante Praça dos Três Poderes a situação beira o degradante. O piso tem pedras soltas. Aliás, vimos um casal socorrer o filho pequeno que tropeçou numa delas e caiu com a cabeça no chão. Terrível.
No gramado entre o Supremo Tribunal Federal e o edifício do Congresso, está lá para quem quiser fotografar um acampamento com barracas de lona sobre garranchos de árvores secas. Uma verdadeira agressão ao bom gosto e à leveza da arquitetura de Brasília. O Palácio do Planalto então é um caso sério.
Colocaram-se grades de arame em frente à tão simbólica rampa. Sem falar do conjunto de barreiras de cor laranja justamente no acesso principal. Acho que o pessoal departamento de trânsito acha bonito aquilo.
O Itamarati, uma preciosidade do design, tem a “enfeitá-lo” essa vista aí que você pode ver nas fotos que fizemos. No tapete verde da Esplanada estão lá ainda os vestígios da festa em que se comemorou a chegada do Ano Novo. Vestígios não, banheiros químicos feitos de material plástico. Dezenas deles à espera de alguém de boa vontade faça a gentileza ou seu trabalho de recolhê-los. Em busca de oferecer ao amigo fotógrafo que veio do Exterior com a finalidade de fotografar Brasília como exemplo de cidade linda e moderna fui até à Torre de Tevê e à Fonte Luminosa. Aliás, a Torre está sempre em reforma, eterna reforma. Nunca está ao alcance das pessoas que visitam a capital do País. O Teatro Nacional, com pichação. Para não me alongar, novamente veja você as fotos que eu mesmo fiz lá. Tal e qual o belo Ministério da Justiça. Tudo sujo.
Já que os edifícios oficiais e monumentos estão feios de perto, resolvi ir com o casal de jornalistas à Torre de Tevê Digital, distante do Plano Piloto, de onde se vê toda a cidade de longe sem reparar nos detalhes. Mais uma desagradável surpresa: a mais nova obra de Niemeyer estava fechada para visitação. Havia lá um sonolento e mau-humorado vigia a mostrar um papelucho pregado no portão – claro, com erros de grafia – com uma série razões. Havia uma dezena de razões, mas nenhuma razão aceitável para uma das atrações turísticas da cidade estar de portas cerradas na época em que milhares de pessoas que se dirigem à capital do Brasil, aproveitando o período de férias.
Depois de quatro horas, para não correr o risco de aumentar a minha decepção preferi não levá-los à Ermida Dom Bosco. Mas fiquei exultante porque pelo menos meus amigos não precisaram ser atendidos em uma unidade hospitalar.
Digo isto de coração partido. Mas com o puro sentimento de pioneiro, de quem chegou à cidade ainda menino, nos idos de 1957. Se você botar os olhos na fotografia da primeira missa, em 3 de março de 1957, perto do Cruzeiro, verá um punhado de meninos, no canto direito. Eu sou um deles. No altar sob a lona está o presidente JK, que lançou com sua brandura o lema “Brasília, capital da Esperança”. E do terceiro milênio. Estamos no terceiro milênio. Aqui cresci, me tornei jornalista, fotógrafo. Conheço estética e bom gosto, sei o que é feio e o que é bonito. Morei fora, em São Paulo, no Rio, girei Brasil a dentro, de carro, barco e avião. Sei muito bem o que digo.
Pois é, após perambular pela cidade que deveria ser limpa, bela e leve chegamos à triste conclusão de que se trata de um lugar abandonado pelos governantes que a administram. Brasília está à sorrelfa. Uma vergonha. Por fim, morto de vergonha e constrangimento, apressei em levá-los de volta ao aeroporto Juscelino Kubitschek. Devem voltar. Depois da Copa, talvez. Ou quando a Capital do Brasil tiver pessoas a cuidar dela com algum respeito. Porque essas sequer carinho jamais terão.

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