Opinião

Coisas da Política
Insulza em Havana
Mauro Santayana
O senhor José Miguel Insulza, secretário-geral da OEA, chegou ontem a Havana para participar, como convidado, da segunda reunião da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe), transformando-se no primeiro dirigente da Organização dos Estados Americanos a pisar o solo cubano em 52 anos, desde a expulsão de Cuba da entidade, em janeiro de 1962.

A Celac, fundada há dois anos por iniciativa venezuelana, reúne 33 nações da região, com exceção dos Estados Unidos e Canadá, e de ex-“potências” coloniais, como Portugal e Espanha, que têm visto suas sucessivas cúpulas “ibero-americanas” fracassarem e serem simplesmente ignoradas, por nossos países, cada vez mais.

Por que os norte-americanos e canadenses ficaram de fora da Celac? Porque, embora teoricamente “americanos”, eles fazem, geopoliticamente, parte de outro bloco — a que pertencem também Grã-Bretanha e Austrália — que não é confiável para “nosotros”, como ficou comprovado pelas atividades de espionagem denunciadas por Edward Snowden, praticadas de forma contumaz por esses países contra o resto do mundo, e particularmente contra o Brasil, pelos EUA e o Canadá.

A reunião da Celac de Havana servirá como uma espécie de desagravo latino-americano, do Rio Grande à Terra do Fogo, a Cuba, e também como reconhecimento geral do fracasso do embargo norte-americano ao regime cubano, tanto do ponto de vista diplomático como do econômico, evidenciado pela inauguração, ontem, por Dilma e Raul Castro, do Megaporto de Mariel, e de sua Zona Especial de Desenvolvimento, que tem sido vista pela imprensa internacional como o marco maior da abertura cubana à modernização e ao capital estrangeiro.

A reunião deverá analisar projetos de combate à pobreza e à desigualdade na América Latina e no Caribe
Construído por empresas brasileiras, com a exportação de bens e serviços nacionais no valor de quase 900 milhões de dólares, o Megaporto de Mariel receberá, a partir do próximo ano, fábricas do mundo inteiro, para a montagem — em sua Zona de Desenvolvimento de 255 km2 — de produtos a serem transportados pelo vizinho Canal do Panamá, que está em fase de ampliação.

A importância da reunião da Celac para Cuba pode ser medida pela presença do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e de 32 dos 33 líderes convidados. Além disso — para maior incômodo dos Estados Unidos — foi aprovada, também, a criação de um foro permanente de cooperação dos países membros com a China, que acaba de ultrapassar o Japão como a segunda maior economia do planeta.

Segundo previsto, a reunião deverá analisar projetos de combate à pobreza e à desigualdade na América Latina e no Caribe; a transformação desse espaço geográfico em uma “zona de paz” — em velada alusão às bases militares norte-americanas na Colômbia — e o reconhecimento do princípio de não intervenção em assuntos internos de outros países e de cada país membro escolher seu próprio “modelo” político.

A presença do secretário-geral da OEA em Havana, depois de reaberta em 2009 a possibilidade — terminantemente recusada pelas autoridades cubanas — de Cuba voltar a pertencer à organização, se dá mais no contexto de uma clara vitória diplomática e da superação ao bloqueio imposto pelos EUA do que de um afago cubano à OEA.

Ao convidar Insulza, Cuba foi generosa. Mas é preciso evitar que isso se torne um hábito. A Celac foi criada como um foro exclusivo dos povos latino-americanos e do Caribe.

Se a OEA começar a ser convidada oficialmente — mesmo que como observadora —a cada novo encontro da Celac, será o mesmo que colocar os EUA e o Canadá dentro do plenário.
 
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo

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