Mais médicos: por uma peinha de nada


Defecções expõem fragilidade do Mais Médicos

Josias de Souza
Arthur Chioro: ‘Desistências e abandonos acontecem, fazem parte da vida’
Tomado pela propaganda, o Mais Médicos visa criar um mundo inteiramente novo na área da saúde. Considerando-se que no Sistema Único de Saúde caos não falta, algo sempre pode ser feito. Mas o governo deveria maneirar nos efeitos especiais. Concebido em cima da perna, o programa foi anunciado em julho de 2013, nas pegadas da jornada de protestos. Desde então, vem sendo implementado em ritmo de truque cinematográfico.
Descobriu-se que, sob o barulho causado na semana passada pela deserção da médica cubana Ramona Rodriguez, havia um ruído que o toque de caixa de Brasília vinha abafando. Cuba não é o único problema do programa. Em sete meses de vida, o Mais Médicos já foi abandonado por 192 profissionais. Desse total, apenas 27 são cubanos, dos quais cinco desertaram com o propósito de fugir da ditadura.
Repetindo: o Mais Médicos ainda não fez aniversário de um ano e já vem sendo abandonado por uma média de 27,4 profissionais por mês –é quase um por dia. Considerando-se os 6.600 profissionais mobilizados até a segunda fase do programa, chega-se a uma taxa de abandono de quase 3%. Num instante em que anuncia o início da terceira fase do programa, que elevará o contingente de médicos para 9.540 a partir de março, o novo ministro da Saúde, Arthur Chioro, considerou o índice de desistências “muito baixo, insignificante”. Será?
Ns palavras de Chioro, é de “livre e espontânea vontade” que os médicos aderem ao programa. Vale para os brasileiros e também para os estrangeiros —inclusive para os cubanos, o ministro acredita. “Eles aceitam ir para o Norte e o Nordeste, para distritos sanitários indígenas, para regiões ribeirinhas, para o semiárido…” Beleza. Porém, inspirado nesse seu diagnóstico, o ministro talvez devesse dirigir uma pergunta aos seus botões:
Por que diabos um médico que virou sua vida de ponta-cabeça, trocou o conforto dos grandes centros urbanos pela vida precária dos fundões do Brasil, deslocou-se de um país estrangeiro, distanciou-se da família… por que um sujeito que fez tudo isso abandona o programa antes que a nova experiência complete um ano? Parece claro que há parafusos soltos no Mais Médicos.
Nos últimos dias, o Ministério da Saúde descobriu que 46,3% dos doutores que abdicaram do programa —89 dos 192— bateram em retirada sem a delicadeza de comunicar a desistência às prefeituras dos municípios onde estavam lotados. Subtraindo-se os cinco cubanos que desertaram para fugir da ditadura de Havana, há nesse lote 80 profissionais formados no Brasil, um colombiano, um argentino e dois médicos provenientes do México —um deles brasileiro.
A despeito do aparente pouco caso do ministro Chioro —“desistências e abandonos acontecem, fazem parte da vida”—, a verdade é que o governo foi surpreendido pelas defecções. De repente, sete meses depois do lançamento do Mais Médicos, o Ministério da Saúde se deu conta de que não dispunha de regras claras para administrar o inusitado. Um dos fujões cubanos não dá as caras no posto de saúde desde 21 de janeiro. E só na última sexta-feira (8) Brasília tomou conhecimento da deserção.
De calças curtas, os gestores do Mais Médicos decidiram tomar providências. Nesta quarta (12), a pasta de Chioro divulgará formalmente os nomes dos 89 médicos cujo paradeiro é ignorado. Na sequência, o ministério enviará e-mails e telegramas, convocando-os. Se não aparecerem em 48 horas, serão desligados do programa. Se forem estrangeiros, a autorização para exercer a medicina no Brasil será cancelada. Na quinta-feira (13), as novas regras serão impressas no Diário Oficial.
Chioro dá de barato que os sumidos não retornarão. O ministro não quer saber deles. Sua prioridade é promover as substitiuições. Ótimo. Mas o substituto de Alexandre Padilha erra ao desprezar os médicos que se desinteressaram do programa. Deveria determinar à sua equipe que localizasse os desertores.
O ministério talvez não encontre os estrangeiros. Mas não terá dificuldades para localizar os brasileiros. Até porque a maioria saiu pela porta da frente, com comunicação prévia. Ouvindo-os, o governo descobriria as razões do desalento com o programa. A sondagem talvez revele o óbvio: os médicos deram no pé porque não encontraram nos postos de saúde condições mínimas de trabalho.
E daí? Bem, se Dilma Rousseff quiser fazer do Mais Médicos algo além de uma peça de campanha, certamente não se esquivará de providenciar mais equipamentos, mais recursos e, sobretudo, mais respeito… A propósito, o Ministério da Saúde já detectou um outro flagelo do improviso: vários municípios estão descumprindo os compromissos que haviam assumido com o governo federal.
Algumas prefeituras vêm sonegando aos médicos, por exemplo, transporte e alimentação. Apanhado novamente no contrapé, o Ministério da Saúde publicará no Diário Oficial desta quinta (13) as regras que os municípios terão de observar, sob pena de exclusão do programa. Contra um pano de fundo assim, tão conturbado, é espantoso que o ministro Chioro não se interesse em saber as razões que levaram tantos doutores a abandonar o Éden.

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