Seminário em Fortaleza discute meios de destravar burocracia
A abertura do seminário será feita pelo presidente do Tribunal de Justiça do Ceará, desembargador Luiz Gerardo de Pontes Brígido. Em seguida, o professor e procurador de Justiça do Rio de Janeiro, Sávio Bittencourt, fará a primeira palestra com o tema: Direito à família. O promotor, que é autor dos livros “Manual do Pai Adotivo”, “Nova Lei da Adoção” e “Revolução do Afeto: dez passos para a felicidade”, disse à reportagem que “esses eventos têm a capacidade de provocar uma profunda reflexão nos participantes e na sociedade”. Para ele, já adiantando os pontos que deverão nortear sua palestra, a expectativa é de que o debate de hoje possa se transformar em atitude concreta na defesa das crianças. “Minha fala vai trazer um sinal de alerta para as práticas que nós, operadores do direito, temos em relação às crianças institucionalizadas. Uma cosia é o discurso do Estatuto da Criança e do Adolescente, que já está mais ou menos padronizado, outra coisa, é a prática”. Segundo Sávio, “quando a gente fala de uma criança idealizada, tudo bem, todos defendem, todos estão ao lado, mas, em relação às crianças que estão nos abrigos, esquecidas, varridas para debaixo do tapete da sociedade, essas, sim, precisam que esse discurso seja transformado em atos concretos”.
Alternativas
Ainda segundo o procurador de Justiça do Rio de Janeiro, é preciso pensar em alternativas para resolver o impasse representado pela criança institucionalizada por longos períodos. “A criança não pode ficar institucionalizada. Ou ela volta para a sua família de origem, quando há essa condição, ou ela é colocada em outra família, preferencialmente pela via da adoção. Essa terceira via, ou seja, a criança passar quatro, cinco anos em abrigos, como acontece em várias cidades, inclusive em Fortaleza, é um caminho que demonstra incapacidade das instituições que têm o dever de zelar pelas crianças e de dar uma solução que seja adequada a essa questão. Desse modo, a minha fala vai ser debater os motivos dessa incapacidade”.
Transformação
Sávio Bittencourt finaliza salientando a importância da abertura da sensibilidade para a questão da adoção. “A gente só começa uma transformação, quando a gente convence coração e mentes. Não haverá mudanças apenas pela troca da lei, por meio da modificação legislativa. Essas coisas já foram feitas. O que a gente precisa, agora, concretamente, é de gente que não acredite que colocar criança em instituição vai resolver o problema dela”. Sávio, que também é colaborador regular do jornal O Estado, diz, ainda, que o debate de hoje deve ter caráter provocativo. “As pessoas não gostam de ouvir críticas, mas a gente precisa avançar para uma situação melhor, onde as instituições tenham a capacidade de ter um espírito de corpo inteligente, e não apenas evitar ouvir a crítica. Precisamos evoluir para consertar efetivamente o que está errado, o que está explicitamente errado”.
Celeridade
Outro palestrante ilustre no seminário é o desembargador José Antônio Daltoé, do Rio Grande do Sul, que vai falar sobre a celeridade nas ações de destituição de poder familiar. Daltoé foi o criador do primeiro cadastro eletrônico para adoções e abrigagens, no Brasil, em 2007. Nesse mesmo ano, Daltoé publicou a obra “Depoimento sem dano, uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos processos judiciais”. De acordo com o desembargador, o foco de sua apresentação são as dificuldades que existem em todos os processos de destituição de poder familiar, primeiro passo para o encaminhamento para a adoção. “Vou pegar alguns aspectos práticos de como podemos tentar agilizar isso, criando fluxos dentro da comunidade e verificar o que mais se pode fazer”.
Falando à reportagem, ele disse que “geralmente, em um Congresso sobre adoção, muitas instituições trabalham com essa matéria, mas nem todos têm uma visão jurídica de como as coisas funcionam, só reclamam porque demoram demais, e realmente demoram. Vamos tentar justificar, para que as pessoas entendam que não é só deficiência do juízo, o Poder Judiciário tem toda uma estrutura por trás disso e cria impedimento para que as coisas fluam mais rapidamente”.
Efetividade
Também estará presente ao seminário, qualificando-o, a tabeliã e presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (ANGAAD), no Rio de Janeiro, Bárbara Toledo. A presidente deverá discursar sobre sua experiência com os grupos de apoio à adoção, como o Quintal de Ana. Para Bárbara, “a adoção é que tem que ser valorizada porque foca a afetividade, o cuidado, o amor com a criança. Justamente temos que privilegiar isso em relação a qualquer vínculo biológico ou sanguíneo, o mais importante é o afeto”.
Sobre o púbico que deverá assistir ao seminário, “vamos falar a pessoas jurídicas, a psicólogos que trabalham em tribunais, que eles têm que dar valor a esses aspectos na relação de pai e filho, e não ao mero biologismo. A criança não tem a menor relação com a família, às vezes chamam parentes afastados e dão prioridades a eles a ficarem com as crianças”.
Vara Especializada
De fato, o maior obstáculo, hoje, à adoção é a morosidade na conclusão dos processos de destituição do poder familiar e liberação das crianças que estão em institucionalizadas. A burocracia acaba funcionando como um perverso desestimulador para pessoas ou casais que se inscrevem no Cadastro Nacional de Adoção. Trata-se de uma demora que fez com que as crianças acabassem saindo da faixa de adoção desejada pelos pretendentes. A solução, há muito cobrada pela sociedade, passa pela criação de uma Vara Especializada na área que imprima celeridade aos processos, tratando-os de maneira específica.
O presidente do Tribunal de Justiça do Ceará, Luiz Gerardo Pontes Brígido, reconhece a necessidade da criação dessa Vara Especializada. “Precisamos aumentar o número de varas especializadas, há carência de equipes interdisciplinares, é necessário uma renovação da mentalidade dos juízes, promotores, defensores, servidores e desembargadores”, defende o presidente. Para Brígido, “hoje, um processo de adoção demora anos, não faz sentido. É necessário definir a situação jurídica dessas crianças e adolescentes institucionalizadas, sermos céleres em avaliar e promover a reintegração à família de origem ou a colocação em família substituta, através da adoção”.
Para se ter uma ideia do tamanho da burocracia, o Juizado da Infância julgou apenas um caso, neste ano, em Fortaleza, de destituição de poder familiar, que é o primeiro passo no processo de adoção. É preciso mudar essa realidade, e o seminário vem a ser mais uma fonte de pressão em prol de um direito constitucional básico de toda criança brasileira: a um lar e a uma família. Não é pedir muito. (Rodolfo Oliveira, da Redação).
PROGRAMAÇÃO:
• 8h – Credenciamento
• 9h30min – Conferência de abertura – Direito à família
Palestrante: Sávio Bittencourt (RJ) – Procurador da Justiça e autor dos livros: Manual do Pai Adotivo, Nova Lei da Adoção e Revolução do Afeto.10h30min – Uma experiência real em prol da convivência familiar e comunitária: Quintal de Ana e os grupos de apoio à adoção
Palestrante: Bárbara Toledo (RJ) – Tabeliã e presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção – ANGAAD.
• 12h – Almoço (livre)
• 13h30min – A busca ativa de adotantes como estratégia para a garantia do direito à convivência familiar e comunitária
Palestrante: Eliana Bayer (RJ) – Psicóloga, do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, da comarca de Teresópolis.
• 15h – O papel da Defensoria Pública na proteção de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade
Palestrante: Tibério Melo (CE) – Defensor Público do Núcleo de Atendimento da Defensoria e Infância e Juventude- Nadij.
• 16h – Intervalo
• 16h30min – Conferência de encerramento – A celeridade nas ações de destituição de poder familiar: o princípio da duração razoável do processo e o melhor interesse da criança
Palestrante: José Antonio Daltoé Cezar (RS) – Desembargador, criador do primeiro Cadastro Eletrônico para Adoções e Abrigagens no Brasil, publicou em 2007 a obra “Depoimento sem dano, uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos processos judiciais”.
• 18h – Encerramento do seminário
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