Doutor
Batérico
Geraldo
Duarte*
Rua Floriano
Peixoto. Foto Ideal, propriedade do senhor Raimundo do Vale.
Defronte, com o
cartaz “Vende-se”, estava à jóia. Jeep Willys, 1951, todo original. Parecia
saído da fábrica, mesmo passada uma vintena. Adquiri-o.
No lado direito do
painel, em plaqueta de alumínio,
cravada, o registro do fabricante. Willys-Overland Motors, Inc. e as
características do veículo.
Mais tarde, soube
que a documentação registrava aquele ano porque fora o da data de venda pelo
representante local. Em verdade, o fabrico teria sido entre 1942 e 1945, com
base nas informações técnicas da plaquinha.
O jipinho foi um
todo alegria. Parceiro de pescarias e passeios. Onde estacionava, surgiam
curiosos com propostas de compra.
Certo dia,
velocímetro e odômetro pararam de funcionar. Por contar milhas e não
quilômetros, aparelho idêntico inexistia no mercado. Indicaram-me alguém que o
poderia consertar. Então, conheci o Doutor Batérico.
Em pequena oficina,
na rua Meton de Alencar, reparava tais componentes e baterias.
Estatura mediana,
alvacento, meio gordo e bem humorado. Dizendo que não via igual há muito,
retirou-o do encaixe e desmontou-o, carinhosamente, na bancada.
Durante o trabalho,
não parou de contar lorotas. Mesclando-as, sempre, com fatos e pessoas
reais.
Pianista amador do
programa radiofônico local, do passado, “A Hora da Saudade – Coisas que o Tempo
Levou”, usou sua arte para fanfarronar. Dizia-se amigo de Mussolini, Franco e
Stalin. E, ao primeiro, haver ensinado alguns artifícios pianísticos. Isso, sem
jamais ter saído de Fortaleza. E, graças a Deus, nenhum daqueles sanguinários
ditadores terem pisado na terrinha.
Jurava manter
contatos com extraterrestres, inclusive, a convite deles, ter visitado a Lua,
Vênus, Marte e cercanias estelares.
Garantia que um
ex-comandante da Base Aérea acordara-o, em alta madrugada, para secretamente ir
até aquela Unidade Militar e reparar a pane ocorrida em um disco voador
visitante. Solução imediata. Logo a nave deu-se ao cosmo.
Repentinamente,
parou o serviço, olhou-me e, vendo-me fardado, falou: “Tenente, o alto comando
das Forças Armadas encomendou-me e eu estou montando um instrumento, de várias
utilidades. Uma, das muitas, faz soldados tornarem-se invisíveis.”.
Ante a um leve
sorriso meu, veio dele o complemento: “Você não acredita, né? Pois, desde sua
chegada, uma dúzia de testadores da minha invenção já entrou e saiu
daqui.”.
Dr. Batérico fez-se
personagem popular, famoso e querido em nossa Capital, devido à capacidade
profissional e as absurdas e jocosas histórias que contava de forma
compenetrada.
Chamava-se José
Afonso Lima. Faleceu em 22 de julho de 2000, aos 95 anos de idade, vítima de
hemorragia digestiva. Está sepultado no Cemitério São João Batista.
Jamais me esqueci
daquela alegre manhã. Nem de outras façanhas daquele gozador bem humorado,
narradas pela imprensa.
Ah! quanto ao meu
também inesquecível “Truck ¼ Ton 4x4”, o pequeno herói da Segunda Grande Guerra?
Tantos somaram nossos feitos que, se escritos, facilmente, comporiam incontáveis
páginas de volumoso livro.
*Geraldo Duarte é advogado, administrador e dicionarista.
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