Opinião

MERCADO, CONCORRÊNCIA E ESTADO NO BRASIL
O professor Delfim Netto abordou outro dia, em interessante artigo, o papel do Estado e do Mercado, e a importância de cada um na construção da prosperidade humana.

Do nosso ponto de vista, o Estado precisa ser não apenas um agente indutivo e fiscalizador da atividade econômica, mas eventualmente, participar diretamente dela, na produção, distribuição e vendas, sempre que isso for necessário para evitar a espoliação pura e simples do consumidor pela voracidade – muitas vezes incontrolável – do mercado.

Nos países mais desenvolvidos, grandes empresas nacionais, estatais ou privadas, são consideradas ativos estratégicos, e parte integrante do projeto de desenvolvimento econômico e social da nação.

No Brasil, depois da nefasta equiparação, ocorrida nos anos 1990, de empresa de capital estrangeiro a empresa de capital nacional, bastando para isso abrir um escritoriozinho qualquer dentro do país, abandonou-se qualquer diferenciação nesse sentido.

Enquanto isso, nos Estados Unidos o Estado não compra sequer um prego – principalmente na área bélica – se não houver uma empresa majoritariamente norte-americana envolvida na transação.

Quando da crise, que ameaçava quebrar grandes bancos e empresas norte-americanas, o governo daquele país não hesitou um instante em injetar dinheiro nos bancos. Comprou ações de grandes grupos industriais locais, estimulou o consumo. Estabeleceu leis como a Buy American Act e a Employ American, a primeira exigindo que todo aço, ferro e manufaturados usados nos projetos de infraestrutura inscritos no plano fossem oriundos de norte-americanos. A segunda discriminava estrangeiros portadores de visto de mão-de-obra qualificada, em contratações de instituições financeiras auxiliadas pelo governo americano.

No Brasil, o que aconteceria se o Governo resolvesse, de repente – já que, alega-se, estamos entrando em uma crise sem precedentes - comprar bilhões em ações da Vale ou da Petrobras neste momento, para aumentar seu valor de mercado e ajudar, com isso, na recuperação da Bolsa de São Paulo?

Certamente, o mundo viria abaixo. Teríamos uma crise institucional, e o Brasil seria crucificado, aqui e lá fora, como já está ocorrendo, por excesso de “intervencionismo”.
Se é praticamente impossível falar em aumentar o papel das estatais brasileiras na concorrência – saudável – com o capital privado nacional, e, principalmente, com o multinacional, no atendimento das necessidades do consumidor, a situação fica pior ainda quando se trata, meramente, de preservar as condições de competição de empresas brasileiras com o capital estrangeiro.

Um exemplo é o que está ocorrendo agora no setor de cimento, composto majoritariamente por capitais nacionais.

O CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica resolveu multar seis empresas cimenteiras em mais de 3.1 bilhões de reais e exigir a venda de ativos que chegam a 25% da participação de mercado de algumas delas.

Essa é uma decisão que pode vir a desestruturar a cadeia produtiva do cimento no país, e abrir eventualmente caminho para a entrada de novas empresas estrangeiras no setor.

Ninguém é contra o combate à cartelização de nenhum setor da economia. Mas é preciso evitar desmembrar grandes grupos, que poderiam ter um papel estratégico a cumprir, dentro e fora do país. E acabar, como resultado disso, beneficiando seus concorrentes internacionais, que muitas vezes não estão sujeitos, em seus países de origem, às mesmas leis que existem em nosso país.

O CADE, e as agências reguladoras, não agem da mesma forma, por exemplo, com relação à área de telecomunicações, amplamente dominada pelo capital estrangeiro.

Esse é o caso da compra de parte da Telecom Itália, dona da TIM, pela Telefónica da Espanha, dona da VIVO, que transforma, na prática, para efeito de administração, essas duas empresas em uma só.

O CADE proibiu a Telefónica de aumentar a sua participação na TELCO, que controla a TIM. Mas isso não muda o fato de que as duas operam, debaixo de um mesmo “guarda-chuva” europeu no Brasil.

Enquanto isso, depois de 43.000 reclamações contra a qualidade do Sistema 3G, que não deram absolutamente em nada, os consumidores, cansados de esperar pela ANATEL, entraram anteontem por meio da PROTESTE, em Brasília, com ações coletivas contra as principais operadoras que atuam no país.

A intenção é obriga-las a fornecer a conexão na velocidade contratada – em caso contrário incorreriam em multas pesadas – e exigir indenização coletiva por danos morais, com descontos nas contas a serem pagas pelos usuários, pelo período mínimo de um ano.


Tudo isso ocorre no mesmo momento em que a ANVISA está sendo investigada pela aprovação fraudulenta de licenças para a venda de agrotóxicos proibidos no Brasil. E que o escritório da ANAC em São Paulo está sendo acusado da venda, a 64 candidatos a piloto, de habilitações ilegais para voar dentro e fora do país.

Mauro Santayana

Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.

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