Justiça admite demora do sistema processual
Um deles é a Casa do Menor, localizada no Condomínio Espiritual Uirapuru. A instituição acolhe, atualmente, 44 crianças. Foi fundada em Fortaleza pelo padre Renato Chiera, em 2001. Atualmente é mantida por meio de doações e da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), órgão vinculado à Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza (SDH), cujo recursos estão atrasados há 11 meses.
Uma das crianças que vivem lá é Roberto, 7 anos. Ele conviveu com a mãe até os quatro. Ambos moravam na casa de uma mulher, onde a genitora trabalhava como doméstica. Certo dia, ela saiu e não mais voltou. E foi assim que Roberto foi parar no abrigo, em 9 de fevereiro de 2011. Até hoje aguarda a Justiça julgar a destituição do seu vínculo com a mãe, que ele não a ver há mais de três anos.
De acordo com a assistente social do abrigo, Érica Lima Burlamaqui Castello Branco, o relatório sobre o menino foi enviado ao Ministério Público (MP/CE) no dia 10 de janeiro de 2012. O órgão precisa dar parecer favorável ou não à destituição do poder familiar. Em seguida, o processo segue novamente para o juiz julgar. Somente depois dessas duas etapas, Roberto poderá ingressar no CNA e, quem sabe, conseguir uma família.
Enquanto a burocracia se arrasta, ele vai perdendo a infância sem o direito de acordar e dormir sob o mesmo teto de um pai e de uma mãe. Sem o direito de dividir a mesa do café com os pais ou receber ajuda na tarefa escolar.
Algumas crianças, infelizmente, chegam muito mais cedo nos abrigos. Esse é o caso de João, 3 anos. Desde os sete meses na Casa do Menor, após ser ignorado pela mãe e pela avó, a criança também aguarda a Justiça julgar a destituição do poder familiar para ingressar no CNA. A assistente social da instituição acredita que ele já teria sido adotado se o processo já tivesse sido julgado. O relatório sugerindo a destituição foi enviado dia 29 de abril de 2012 para a Justiça. Segundo Érica Lima, o menino está dentro do perfil mais procurado pelos pretendentes, mas se a demora persistir a tendência é ele passar mais tempo institucionalizado, o que vai contra a Lei Nacional de Adoção.
Essa demora ocorre, segundo o coordenador da Infância e da Juventude do Poder Judiciário, desembargador Francisco Darival Beserra Primo, por dois fatores. “Primeiro, os pretendentes geralmente são exigentes com relação ao perfil escolhido, pois buscam, na maioria das vezes, crianças de até dois anos, do sexo feminino e saudável. Segundo, o atraso do sistema de Justiça na apreciação desses procedimentos também contribui para a demora”, disse.
SISTEMA FALIDO
Para o magistrado, o sistema de Justiça é complexo e por isso todos os agentes envolvidos, Ministério Público, juiz e Defensoria Pública devem estar em harmonia. “Na verdade, o Sistema de Justiça da Infância e Juventude do Ceará está falido, pois nem funciona com as medidas protetivas nem com relação aos atos infracionais”, reconheceu o magistrado.
Por isso, segundo ele, o Pleno do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), aprovou a Resolução nº 05/2014, publicada no Diário da Justiça Eletrônico do último dia 19 de maio. O documento dispõe sobre a especialização e funcionamento das Varas da Infância e da Juventude da Comarca de Fortaleza. O desembargador explicou que a partir de agora, a 3ª Vara da Infância e Juventude do Fórum Clóvis Beviláqua, julgará, exclusivamente, pedidos de guarda; destituição do poder familiar; requerimentos de adoção e demandas referentes a irregularidades nas entidades de acolhimento. “Acreditamos que o Poder Judiciário tenha tomado a decisão correta em especializar a unidade, pois todas as ações estarão concentradas em um único magistrado, o que dará mais celeridade e evitará conflito de entendimentos sobre a matéria”, afirma.
Defensoria Pública
A defensora pública, Juliana Andrade, do Núcleo da Defensoria Atendimento da Defensoria na Infância e Juventude (Nadij), também reconhece que a situação processual das crianças e adolescentes no Ceará é demorada. “Há um clamor social grande com relação aos adolescentes que cometem atos infracionais, mas aqueles que estão em abrigos são praticamente esquecidos pelo Estado, Poder Judiciário e sociedade”.
Para ela, a preocupação com a diminuição da maioridade penal tinha que dar lugar à prevenção. “Trabalhar a prevenção com crianças e adolescentes abrigados poderia evitar uma série de problemas futuros.
Para acompanhar a situação processual das crianças e adolescentes institucionalizadas, a defensora explica que são feitas três visitas por ano a cada abrigo da Capital. Quando se constata inércia processual, o órgão busca marcar audiências com os juízes.
De acordo com o Sistema de Acompanhamento de Crianças e Adolescentes Acolhidos (Sacada), alimentado pela Defensoria Pública do Ceará, atualmente, há quase 500 crianças e adolescentes abrigadas somente em Fortaleza. Ainda de acordo com o sistema, de 10 de maio de 2013, à mesma data deste ano, 99 voltaram para a família biológica e 19 para a família extensiva, que pode ser tios ou primos, por exemplo.
* Os nomes das crianças foram trocados para protegê-las, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
CRISLEY CAVALCANTE
especial para oestado
Nenhum comentário:
Postar um comentário