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Opinião
Belo Monte e a síndrome do atraso
Mauro Santayana

A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) está analisando pedido do Consórcio Norte Energia, responsável pela construção da Usina de Belo Monte, para adiar a entrada, por mais um ano, em operação da usina, que fica no Rio Xingu, no Pará.

Belo Monte não é uma obra qualquer. Em potência instalada, será a terceira usina hidroelétrica do mundo, depois da chinesa Três Gargantas, e da binacional, brasileira e paraguaia, Itaipu.

A polêmica em torno de sua construção é emblemática do ponto de vista do processo de ocupação e aproveitamento da Amazônia, como patrimônio de todos os brasileiros, e com relação à falta de convergência que existe em nossa sociedade em torno dos objetivos nacionais.

A Amazônia precisa ser protegida, mas, ao mesmo tempo que deve ser preservada, ela necessita de um projeto integrado e sinérgico de desenvolvimento que abarque toda a região.

É hipocrisia tentar impedir a construção, depois sabotar o aproveitamento hídrico e, finalmente, paralisar por dezenas de vezes uma obra, da qual depende um país que tem uma das mais altas tarifas de energia elétrica do mundo, e que concorre nesse quesito com outros países no mesmo estágio de desenvolvimento, como se a região à qual pertence não sofresse, há décadas, dos mesmos problemas que afetam a Amazônia como um todo. Questões que derivam da ausência — e não da presença — da mão organizadora e mobilizadora do Estado.

É preciso preservar a cultura indígena no Brasil? Sem dúvida alguma. Mas é preciso também reconhecer que aqui somos 200 milhões de pessoas e que, para as populações indígenas, já foram reservados, e entregues, mais de 100 milhões de hectares, ou 12,5% do território brasileiro, o que torna o Brasil o país que mais terras dedica para esse fim, entre todas as nações do mundo.

Da mesma forma, é preciso reconhecer que o índio, infelizmente, depois de sua aculturação, passa a ser, muitas vezes, mais um elemento da degradação da região, na extração ilegal de madeira, no assoreamento e contaminação de rios para a exploração de garimpos clandestinos — como está ocorrendo na Terra Indígena Roosevelt — na exploração e contrabando, em conluio com estrangeiros, da nossa biodiversidade.

Com planejamento, organização e, sobretudo, pleno exercício da soberania do Brasil na região, é possível conciliar a proteção da natureza e das populações indígenas, com a exploração sustentável do patrimônio hídrico, das florestas, da mineração, do turismo, da navegação. Para isso, basta que se associem a União, os estados da Região, a iniciativa privada nacional, e, minoritariamente, capital estrangeiro, em uma grande empresa, com dinheiro e estrutura suficiente para fazê-lo.

O Brasil está coalhado de obras que têm sido paralisadas pela sabotagem ou impedidas pela Justiça
O atraso de Belo Monte, no entanto, não é exceção no Brasil de hoje. O país está coalhado de obras que têm sido sucessivamente, repetidamente, paralisadas pela sabotagem ou impedidas pela Justiça.

Muitas vezes, uma mesma empreiteira brasileira trabalha, simultaneamente, com uma grande obra no Brasil e outra no exterior. Enquanto, lá fora, a obra sai dentro do cronograma, e com o preço inicialmente previsto, aqui o atraso pode passar de um terço do prazo e o orçamento se multiplicar por três ou cinco.

Por que isso ocorre? Porque nos outros países é impossível paralisar por dezenas de vezes obras gigantescas, de bilhões e bilhões de dólares do orçamento, que são essenciais para o progresso de um país, por impunemente. Fazendo isso a cada vez que pequenos grupos — manipulados ou não — se manifestam, como se fosse a coisa mais natural do mundo

Lá fora, existe um mínimo de alinhamento estratégico entre os diferentes setores da sociedade e do Estado e os poderes constituídos, para a execução, de forma permanente, perene, das obras necessárias ao desenvolvimente nacional.

Acontece um terremoto no Japão, e, em dias, as rodovias que foram avariadas ficam prontas. Na China, prédios são construídos em 72 horas, e cidades inteiras são erguidas — com ruas, sistemas de saneamento, eletricidade, prédios públicos e residenciais — em menos tempo do que é necessário para se construir um viaduto no Brasil.

Essa situação, em que vem um e faz, e vem o outro e desfaz, repetidamente, uma mesma obra, tem que acabar. O que prejudica um determinado governo também pode paralisar outros, independentemente de orientação política, e, enquanto nações emergentes avançam, o Brasil, paralisado pela “síndrome do atraso”, continuará dando um passo à frente e três para trás, indefinidamente.


Mauro Santayana é jornalista e meu amigo


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