Felipão e a geopolítica
Mauro Santayana
Desde a formação dos primeiros grupos humanos, no alvorecer da história, o poder das tribos, das cidades, dos povos, nações e civilizações, esteve ligado a competições de caráter físico e de habilidade. Originado na caça e na guerra, a que substituiu, em tempos de paz, o esporte sempre foi, desde a Grécia antiga, um veículo para a afirmação do orgulho individual e nacional, projetado na disputa e na competição.
Nas Olimpíadas de 1936, a Alemanha procurou mostrar ao mundo o ideal nazista e ariano, e acabou frustrando-se com a vitória do atleta norte-americano negro Jesse Owens, que fez com que Hitler abandonasse seu lugar no palanque.
Na Guerra Fria, valia tudo para vencer as competições esportivas internacionais. Naquela época, atletas russos, chineses, coreanos, cubanos, norte-americanos procuravam não apenas conquistar medalhas de ouro mas mostrar, em cada gesto, a disciplina, a boa forma física, a qualidade técnica e o talento do país, e, muitas vezes, do sistema que estavam representando e defendendo diante do mundo.
Mesmo que a princípio se tratasse apenas de esporte, a visibilidade dos eventos esportivos e a sua transmissão ao vivo depois da invenção do satélite, para bilhões de pessoas, sempre teve por trás a política.
Política interna, como foi o caso dos atletas negros norte-americanos que subiam ao pódio com o punho cerrado fechado, e o braço erguido para saudar o “Black Power” homenageando o grupo Panteras Negras.
Ou a política regional e internacional, como ocorreu nas Olimpíadas de Munique, na então Alemanha Ocidental, quando palestinos do Setembro Negro tomaram,sequestraram e tomaram como reféns atletas da delegação israelense.
Um pouco de nacionalismo, na hora da disputa, não faz mal a ninguém. Sou daqueles que acham que os jogadores da Seleção Brasileira deveriam acordar, todos os dias, na concentração, ao nascer do sol, para hastear a Bandeira. E cantar o Hino Nacional, ao menos para aprender a letra e não nos matar de vergonha, como já ocorreu tantas vezes no passado.
Também não faria mal a eles, e a Luís Felipe Scolari, ler, antes de cada jogo, alguma coisa sobre o adversário, que não fosse apenas suas estatísticas futebolísticas do passado. História, por exemplo, ou os últimos jornais.
Seria útil saber, por exemplo, que os croatas, com quem jogamos hoje, são ferrenhos adversários históricos dos sérvios, com quem jogamos na semana passada. E que, independentemente de quererem aparecer ganhando da Seleção pentacampeã do mundo dentro de casa, eles gostariam de provar aos sérvios que podem acertar, com brilho, onde eles erraram.
Da mesma forma, se lesse a imprensa mexicana, ou alguma análise sobre os dois países, daria para saber que os mexicanos – manipulados cotidianamente por sua imprensa – têm um profundo complexo de inferioridade com relação ao Brasil, ao qual não perdoam ter estabelecido uma área de influência na América do Sul, quando eles têm a metade de nossa economia, população, reservas internacionais, cresceram quase a metade do Brasil nos últimos dez anos, e pertencem à área de influência dos Estados Unidos.
O técnico da Croácia disse, já antes do jogo, que ia “partir pra cima” do Brasil em São Paulo.
O técnico do México, El Piojo (O Piolho) Miguel Herrera, já declarou que o time dele vai “se matar” para derrotar o Brasil no próximo jogo. Os mexicanos estão com ódio particular do Brasil, alimentado e realimentado pela imprensa deles, devido a declarações dadas em Madri, na semana passada, pelo ex-presidente Lula, criticando os fundamentos econômicos do país, que renderam, por lá, grandes manchetes.
Em uma disputa internacional, muitas vezes, o que menos importa é o esporte, ou apenas os seus fundamentos técnicos, que têm ficado sempre em primeiro plano para Felipão, seus jogadores e a maioria dos repórteres esportivos.
Como diziam os romanos, Alea jacta est. A sorte está lançada.
Só não sejamos ingênuos de pensar que, para nossos adversários, há apenas futebol por trás da bola.
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.
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