Manual para usar Dezembro. | Por Marli Gonçalves |
Terceiro
Milênio, Século 21, eu e você, e um monte de nós, marmanjos e sambados,
ainda acreditando que o simples fato do numerozinho virar, de uma hora
para outra (não esqueça de contar o horário de verão), a coisa toda vai
melhorar, mudar, acontecer. Que vamos cumprir o que prometemos a nós
mesmos. No máximo poderemos comemorar que já passou o Carnaval, a
Páscoa, a Copa, as eleições. O resto, não precisa nem ler previsões:
tudo vai aumentar, a Dilma vai rebolar para governar, e a corrupa
continuará pululando e jorrando mais que petróleo, fora que o ano só
deve começar lá por março, abril. Mas agora nosso problema é já. Esse
mês. Espero ajudar com conselhinhos que dou de graça porque estou sem
troco.
Avise logo para todo mundo que não vai dar presentes para que depois não acusem você, nem digam, que você os decepcionou. O problema é que também aí não vai ganhar, mas talvez seja até melhor. Ou, tire um dia, pegue uma sacolinha e vá lá na 25 de Março, ou Saara, ou qualquer coisa parecida, comprar um monte de bugigangas para depois distribuir - "é só uma lembrancinha". No caso, treine no espelho a cara lambida. Atenção: nem pense em dar o que recebeu o ano passado e não gostou. Conheço gente que deu justamente para quem deu - afinal nossa memória não é tão boa, e um ano é muito tempo para lembrar. Evite. Prevenir é melhor que remediar. Evitar acidentes é dever de todos. Prepare-se para tudo quanto é mordida que aparece, além do 13 º salário que tem de pagar e só se você for uma pessoa de sorte talvez até também ganhe. Se enfiarem envelopes debaixo da sua porta, rasgue imediatamente, nem abra. Assim não terá o sentimento de culpa. Esqueça a ideia de cestas de Natal. Estão pela hora da morte, e ninguém vai querer ganhar biscoitos amanteigados e panetone seco. Muito menos espumantes, lambruscos ou outros borbulhantes vagabundos. Mantenha sua dignidade. Prepare-se para aceitar a boa vontade, os sorrisos amigos, e até os elogios, que aparecem de repente de todos os lados, principalmente vindos de porteiros, carteiros, entregadores de jornal (com aqueles cartões irritantes pedindo sua colaboração). Aproveita que está disfarçando e começa a reparar de esgueira na criatividade das "caixinhas" artesanais que aparecem - ficam ali, largadas "naturalmente" nos caixas, esperando que você olhe para elas e sensibilizado contribua com algum. Treine. Não fique sem graça, nem diga que o fará depois. Apenas aparente não ter visto. Uma versão mais "perigosa" seria a de tentar aproveitar e levá-la embora junto com algum pacote. Temo apenas que andem meio magrinhas e não valha esse risco. Óculos escuros. Muito bom usar nessa época. Ajuda (perucas e outros acessórios também podem ser úteis). Para passar batido em alguns lugares. Ou, ainda, para seus olhos não serem ofuscados por tantas roupas brancas nas vitrines, que os lojistas aproveitam para desmamar nessa época a preços escorchantes. Lembre-se: o comércio está tenso. Basta reparar a pobreza franciscana dos enfeites de Natal nas vitrines. Estão impressionantemente "criativos"; e nem sempre isso é bom. Tive outra ideia se você pretende ou gostaria de virar invisível! Configure logo o seu e-mail para mandar resposta automática: "Obrigada por sua mensagem, mas não poderei responder. Estou fora, em viagem (ou fui para Guiné como voluntário na luta contra o ebola) (a trabalho) até (meados, para ficar mais impreciso e já ter passado o Dia de Reis, data tradicionalmente limite para se dar presentes) de 2015. Pode ser mais radical, tipo "Esse e-mail mudou" e esquecer para sempre de dar o alternativo. Se conseguir, se não for viciado, afaste-se por um período das redes sociais. Saia reclamando. Diga que não aguenta mais ler tantas bobagens, ver fotos fofas, que odeia o Zuckerberg, as novas normas, o controle e invasão de privacidade, que o passarinho do Twitter é feio. Se não resistir, e botar a cara por lá de novo, não terá problemas. Afinal, todo dia eu mesma leio gente se mandando das "redes sociais" e, no dia seguinte, lá estão elas! Compromissos. Do jeito que está todo mundo pobre, creio que festas, encontros e assemelhados serão raros. Mas sempre tem uma "confraternização" (forma de oferecer menos, uma coisa zapzum) de firma...Aí, pelo menos em uma você vai ter de dar as caras. Comporte-se, apenas isso. Não faça nada de que se arrependerá no minuto seguinte (e você já conhece a lista de proibidos, não preciso me alongar aqui). Quanto ao amigo secreto, bem, rezar para ele continuar secreto, tão secreto que você não saiba dele e não tenha de dar nem bom dia ao cavalo, porque em geral a gente pega quem a gente não gosta no tal sorteio do papelzinho. Família, encontros familiares, tensões sociais e político-partidárias serão quase inevitáveis e você deve lembrar bem de como foi no período eleitoral. Não ande armado. Cuidado com as cores que usa nas festas - evite o vermelho e o azul. Não puxe esse assunto. Mas, se ele aparecer, lembre-se de ir ao banheiro, pegar um copo de água, sair para tomar um ar, simular um desmaio. Comidas. Comece já a se preparar para aquele peru, para aquele tender comprado quase pronto com aquele termômetro enfiado. Se gosta de beber, nem espere o peru, comece antes que isso ajuda a aquilo tudo descer pela goela. Nozes, castanhas, tâmaras, passas - palavras que serão mais raras nas mesas esse ano. Andei também vendo preços. Invente boas desculpas - aproveite logo agora o começo do mês porque aí ficará mais realista - como um regime; ou ordens médicas (peça atestado se achar necessário, porque sogras, mães em geral, por exemplo, não gostam nadica que não comam a comida que preparam com tanto carinho). Alternativa saudável: você convida e você cozinha, ou, senão, como já orientei acima, suma. O pessoal vai entender a repentina saudade do primo do interior que você, puxa, não vê há tanto tempo! Essas dicas são só as básicas. Precisaria de muito espaço para abranger tudo o que esse mês nos apresenta, bem além da esperança, do otimismo, quilos e aporrinhações a mais, resto de contas para pagar o ano que vem. Então, está preparado?
Marli Gonçalves é jornalista.
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Ainda falta meio dezembro, então...
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