Congresso vota lei que piora a vida do pedestre
Nas
páginas de ‘O Espírito das Leis’, Montesquieu (1689-1755) anotou:
“Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá
existem são executadas”. No Brasil, a quantidade de boas leis é
inversamente proporcional à disposição das autoridades de executá-las.
Por vezes, a pretexto de aperfeiçoar, piora-se uma lei que ainda nem foi
colocada em prática.
É o que sucede no momento com o Código Nacional de Trânsito. O Senado está na bica de aprovar um projeto que piora o código no trecho que regulamenta a sempre conturbada convivência entre carros e pedestres. Se a proposta vingar, além dos pés, as pessoas terão de usar as mãos para atravessar a rua na faixa. Antes de caminhar, o pedestre será obrigado gesticular, pedindo autorização aos motoristas para percorrer uma nesga de asfalto que já lhe pertence —ou deveria pertencer.
A autora do projeto é a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC). A proposta já foi referendada pela Câmara. Enviada à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, foi relatada pelo senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE). Com ajustes, foi aprovada em caráter terminativo. Se ninguém recorresse, o jogo estaria jogado. Líder do PSDB, o senador Aloysio Nunes Ferreira (SP) achou melhor recorrer. E o projeto escalou a pauta de votações do plenário do Senado. Está pronto para ser votado.
Curiosamente, o retrocesso proposto pela deputada Perpétua foi inspirado num avanço civilizatório. Os moradores de Brasília entenderam, há mais de 15 anos, o verdadeiro significado da faixa de pedestres. A mágica se estabeleceu num governo comandado pelo atual senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Decidiu-se fazer valer na época o respeito às faixas. Postaram-se agentes de trânsito ao lado delas.
Por três meses, os fiscais orientaram os motoristas. Na sequência, aplicaram-se multas aos infratores. Tudo como previsto no Código de Trânsito. Súbito, os motoristas passaram a respeitar a faixa. E a Capital tornou-se o único pedaço do mapa brasileiro onde os automóveis param defronte da faixa em respeito à preferência do pedestre.
Por mal dos pecados, o Detran brasiliense adicionou à coreografia um gesto de mão. Com isso, a pretexto de tornar a travessia mais segura, reduziu os poderes do pedestre, que passou a pedir licença aos motoristas para transitar num espaço que já havia conquistado. É esse retrocesso que a deputada Perpétua propõe que seja adotado em todo o território nacional.
Opositor ferrenho da ideia, o senador Aloysio Nunes diz que “a obrigatoriedade de executar um gesto de braço sempre que for atravessar uma faixa destinada ao seu uso corresponderia, literalmente, a uma estatização da expressão corporal do pedestre.”
Um detalhe ajuda a piorar o que já é ruim. Pela proposta da deputada, caberia ao Conselho Nacional de Trânsito, o Contran, normatizar o ‘gesto do pedestre'. “Como se dará, por exemplo, a angulação do gesto? E a altura do braço? Ou da mão?”, indaga o líder tucano, como a realçar o ridículo a que a proposta pode conduzir.
Aloysio realça também o constrangimento que a obrigatoriedade de gesticular pode impor aos “cidadãos portadores de necessidades especiais que tenham impedimento total ou parcial de cumprir a determinação da lei”. O senador não diz, mas é possível antever outros contratempos. Por exemplo: uma pessoa carregada de compras teria de depositar as sacolas no chão para gesticular diante da faixa? Ou ainda: uma mãe que estivesse conduzindo duas crianças teria de se desvencilhar de uma delas para fazer acenos ao motorista?
Não é só. Na sessão em que a proposta foi votada na Comissão de Justiça do Senado, Aloysio Nunes mencionou as implicações jurídicas da providência nos casos de acidentes de trânsito. Supondo um cenário de litígio provocado por um atropelamento, o senador questiona: “como provar que o pedestre fez o gesto e, mais, se o gesto estava de acordo com o que vier a estabelecer o Contran?”
Como se vê, uma proposta de aparência inocente pode se converter em veículo de um desastre. Corre-se o risco de atropelar um outro ensinamento borrifado por Montesquieu no seu ‘O Espírito das Leis’: “As leis inúteis abolem as leis necessárias”. Melhor desistir do gesto e insistir naquilo que deu certo em Brasília: primeiro, orientação aos motoristas. Depois, multa. O que produz o respeito às leis é a pena.“
É o que sucede no momento com o Código Nacional de Trânsito. O Senado está na bica de aprovar um projeto que piora o código no trecho que regulamenta a sempre conturbada convivência entre carros e pedestres. Se a proposta vingar, além dos pés, as pessoas terão de usar as mãos para atravessar a rua na faixa. Antes de caminhar, o pedestre será obrigado gesticular, pedindo autorização aos motoristas para percorrer uma nesga de asfalto que já lhe pertence —ou deveria pertencer.
A autora do projeto é a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC). A proposta já foi referendada pela Câmara. Enviada à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, foi relatada pelo senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE). Com ajustes, foi aprovada em caráter terminativo. Se ninguém recorresse, o jogo estaria jogado. Líder do PSDB, o senador Aloysio Nunes Ferreira (SP) achou melhor recorrer. E o projeto escalou a pauta de votações do plenário do Senado. Está pronto para ser votado.
Curiosamente, o retrocesso proposto pela deputada Perpétua foi inspirado num avanço civilizatório. Os moradores de Brasília entenderam, há mais de 15 anos, o verdadeiro significado da faixa de pedestres. A mágica se estabeleceu num governo comandado pelo atual senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Decidiu-se fazer valer na época o respeito às faixas. Postaram-se agentes de trânsito ao lado delas.
Por três meses, os fiscais orientaram os motoristas. Na sequência, aplicaram-se multas aos infratores. Tudo como previsto no Código de Trânsito. Súbito, os motoristas passaram a respeitar a faixa. E a Capital tornou-se o único pedaço do mapa brasileiro onde os automóveis param defronte da faixa em respeito à preferência do pedestre.
Por mal dos pecados, o Detran brasiliense adicionou à coreografia um gesto de mão. Com isso, a pretexto de tornar a travessia mais segura, reduziu os poderes do pedestre, que passou a pedir licença aos motoristas para transitar num espaço que já havia conquistado. É esse retrocesso que a deputada Perpétua propõe que seja adotado em todo o território nacional.
Opositor ferrenho da ideia, o senador Aloysio Nunes diz que “a obrigatoriedade de executar um gesto de braço sempre que for atravessar uma faixa destinada ao seu uso corresponderia, literalmente, a uma estatização da expressão corporal do pedestre.”
Um detalhe ajuda a piorar o que já é ruim. Pela proposta da deputada, caberia ao Conselho Nacional de Trânsito, o Contran, normatizar o ‘gesto do pedestre'. “Como se dará, por exemplo, a angulação do gesto? E a altura do braço? Ou da mão?”, indaga o líder tucano, como a realçar o ridículo a que a proposta pode conduzir.
Aloysio realça também o constrangimento que a obrigatoriedade de gesticular pode impor aos “cidadãos portadores de necessidades especiais que tenham impedimento total ou parcial de cumprir a determinação da lei”. O senador não diz, mas é possível antever outros contratempos. Por exemplo: uma pessoa carregada de compras teria de depositar as sacolas no chão para gesticular diante da faixa? Ou ainda: uma mãe que estivesse conduzindo duas crianças teria de se desvencilhar de uma delas para fazer acenos ao motorista?
Não é só. Na sessão em que a proposta foi votada na Comissão de Justiça do Senado, Aloysio Nunes mencionou as implicações jurídicas da providência nos casos de acidentes de trânsito. Supondo um cenário de litígio provocado por um atropelamento, o senador questiona: “como provar que o pedestre fez o gesto e, mais, se o gesto estava de acordo com o que vier a estabelecer o Contran?”
Como se vê, uma proposta de aparência inocente pode se converter em veículo de um desastre. Corre-se o risco de atropelar um outro ensinamento borrifado por Montesquieu no seu ‘O Espírito das Leis’: “As leis inúteis abolem as leis necessárias”. Melhor desistir do gesto e insistir naquilo que deu certo em Brasília: primeiro, orientação aos motoristas. Depois, multa. O que produz o respeito às leis é a pena.“
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