'Homem do macarrão', brasileiro alimenta moradores de rua em Miami
Chris Delboni - Com Liliana Pinelli
Há 17 anos, Antônio de Pádua Pedro, que nasceu em Franca (SP), distribui comida a 300 pessoas todas as quintas-feiras
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Ele diz que tudo começou por gratidão a Deus.
Antônio vem de uma família libanesa católica, muito religiosa, que se estabeleceu em Franca, interior de São Paulo, onde ele nasceu e cresceu.
O comércio sempre esteve no seu sangue. O pai tinha loja de tecidos e ele, de eletrônicos. Mas diz que, com a dificuldade de importação dos produtos estrangeiros para o Brasil e altos impostos, ele não conseguiu manter os negócios e resolveu arriscar uma mudança de vida e de país. Vendeu uns móveis que tinha e veio para Miami com Janete, sua mulher, que estava grávida da filha Yohana, hoje com 19 anos, e Yasmin, que tinha 6 anos. Os outros filhos, Leandro, Linda e Nathalie, vieram depois.
Eles chegaram com US$ 10 mil.
Era 1995, época de grande volume de brasileiros comprando eletrônicos nas diversas lojas de seus patrícios que dominavam o mercado no centro da cidade.
Antônio não pensou duas vezes. Logo alugou um pequeno espaço e abriu sua primeira lojinha.
"Começamos com cesta de Natal e bichinho de pelúcia", diz ele. "A gente comprava nos supermercados, conseguia um preço melhor e revendia."
E, aos poucos, foram criando um nome de seriedade e credibilidade e uma clientela fiel que cultivavam diariamente.
"Eu acreditava que o cliente era minha família porque era ele que me mantinha. Eu atendia com o maior carinho", diz Antônio, convicto. "Se você der o bom tratamento, esse é o melhor preço."
Assim, as vendas foram aumentando, na mesma proporção de sua gratidão a Deus.
Sempre que saía da loja para pegar o carro, passava por moradores de rua e dava uma esmola ou um pedaço de algo que estava comendo. Percebia também alguns integrantes de algumas igrejas chegando em uma van com alimentos para distribuir.
Aquilo ficou na sua cabeça até quando Antônio acredita ter recebido um claro sinal de Deus.
"Foi o dia que mais vendi na minha vida naquela época. Estava com a bolsa cheia de dinheiro", conta. "Não tinha isso há muito tempo."
Ele saiu da loja com a mulher e, como sempre, foi andando em direção ao carro. Estava comendo um sanduíche quando um morador de rua pediu se não poderia lhe dar um pedaço. Ele deu e seguiu adiante, mas, ao entrar no carro, notou um senhor dando comida para outros pedintes.
"Tudo fez sentido", diz. "Jesus apertou a gente e disse: 'Isso que te dei hoje, que é o dinheiro - fartura - não é para você, não é seu, é meu. Então administra'. Ouvi muito essa palavra. 'Administra o dinheiro de Deus'. Eu escutei".
O casal começou distribuindo cerca de 20 pratos de comida toda semana, mas sempre com algo mais do que só o alimento.
"Além de compartilhar [a comida], a gente passou a compartilhar o amor", diz Antônio. "Não é dando comida que matamos a fome. A fome, você dá comida no almoço e de noite eles têm fome. Isso é uma maneira de enriquecer a parte pobre que nós temos dentro da gente, que é o egoísmo. O pobre não quer uma esmola. Ele quer amor, um sorriso."
Eles chegaram a entregar 500 pratos nas ruas do centro da cidade e bairros com uma população de baixa renda durante oito anos até que a prefeitura de Miami interveio para afastar os mendigos da região, onde prédios de alto porte estavam sendo construídos. Antônio resistiu e chegou a ser ameaçado de prisão se não acatasse. Não cedeu facilmente, mas, depois de muita luta, concordou em alimentar os carentes na Camillus House, o maior albergue de Miami, aberto em 1960. Hoje, ele e a família servem cerca de 300 moradores de rua todas as quintas-feiras das 11h30 às 14h no refeitório da casa.
"Quanto mais dificuldade, maior é a minha fé. E essa fé é baseada no comportamento, honestidade e compreensão", diz Antônio. "O caminho da caridade tem muitos obstáculos. Quando tentaram me impedir de dar comida para os pobres na rua, esse foi meu maior desafio. Poderia retroceder, parar e falar, 'por que é que preciso disso? Estou bem, vivo bem, tenho uma casa boa, família, para que estou buscando problema'?"
Mas para ele, foi um grande incentivo.
"Qualquer bloqueio que venha nas nossas vidas para fazer caridade me traz fortaleza", diz.
O caso mais comovente que Antônio lembra foi o de um senhor que havia abandonado a família por bebida. A mulher e filhos se mudaram para Atlanta e ele dormia nas ruas de Miami.
"Por ele ver o amor meu com minha mulher e filhos, acho que relembrou alguma coisa, sem eu falar nada, sem saber, foi e buscou a família", conta Antônio, emocionado. "Passado algum tempo, ele parou na véspera de Natal em frente da loja com um buquê de flores - todo arrumadinho e falou para mim as palavras de Jesus: 'tive fome, você me deu o que comer; tive sede e você me deu o que beber'. Esse foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida".
Em 2000, Antônio abriu uma fundação - The Beneficent Foundation of St. Anthony Inc. -, mas acabou não levando adiante. Avaliou que o custo burocrático e administrativo para manter uma ONG não valeria a pena. Preferiu simplificar e tirar do bolso o necessário para alimentar sua "grande família" toda semana. Custa cerca de US$ 300 para preparar a comida. Numa semana, é um filho que ajuda. Na outra, um sobrinho, e assim vai. Todos de seu núcleo familiar colaboram, sem esperar nada em troca.
"Quando você fizer caridade, não busque resultados - faça sem limite", diz. "A única coisa que você vai levar dessa vida é a caridade. É uma bagagem que você pode levar, que entra no céu e, sinceramente, não estou aqui para lutar pelo que está na Terra. Estou aqui para lutar pelo que há no céu."
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