CRÔNICA DE PADRE ANTONIO VIEIRA
FUTEBOL
Extraída do blog www.vilacamposonline.blogspot.com
No Brasil, só
há três cousas que se levam realmente a sério: carnaval, jogo do bicho e
futebol. Tudo o mais cai na rotina e passa pra o rol das cousas sem importância
e sem atração. A própria política empolga apenas a poucos e ainda assim sofre os
seus altos e baixos.
Carnaval,
porém, tem as cores nacionais. Enche o Brasil inteiro e se perlonga além-mar. Lá
fora somos conhecidos como o País do Carnaval. Carnaval aqui é turismo. É
atração. É glória nacional. Embora tenha a duração de três dias, seu clima
domina os 365 dias do ano.
Jogo do bicho
cria fascínios populares porque a um povo em desespero, sem líderes e sem mitos,
a ilusão da sorte é o único apanágio que lhe galvaniza a alma e lhe entusiasma o
coração.
Futebol
empolga o País, desde os arranha-céus de Copacabana até às palhoças do alto
sertão, desde o Presidente da República ao molecote de fundilhos rasgados que
chuta bolas de pano nas pontas de rua.
Enquanto o
progresso, o destino e acultura de outros povos e de outros países se decidem
pelo cérebro dos seus homens, que estudam, que pensam, que se especializam, que
fazem da técnica ou das investigações científicas seu ideal supremo, nós vamos
escrevendo o nosso futuro, a nossa sorte, com os pés. Pés de jogadores! Pés de
dançarinos!
Chegará um
dia, e este não custará muito, que, quando os nossos professores falarem sobre
as figuras históricas de Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Rio Branco que defenderam
a nossa pátria nos altos prélios internacionais, nossos alunos se levantarão
entusiasmados para perguntar: – professor, em que time eles
jogaram?
Pergunte-se a
qualquer aluno das nossas escolas primárias as capitais dos Estados do Brasil.
Pergunte-se as capitais dos Estados do Brasil. Pergunte-se aos alunos das nossas
escolas secundárias quais foram as capitanias donatárias do Brasil. E eles não
saberão responder. Indague-se porém a que time pertencem ou pertenceram Ademir,
Pavão, Índio, Baltazar, Escurinho, Pelé, Garrincha, Castilho e a resposta,
talvez, saia primeiro do que a pergunta.
Vasculhe-se a
carteira de um estudante e nos seus cadernos não se encontrará nenhum
apontamento escolar, nenhuma redação literária ou problema para resolver, mas
todos os seus cadernos trazem colado o retrato dos craques de futebol ou
revistas especializadas em esporte.
O mal é
universal. Basta reparar para sentir como se trata de uma paranóia coletiva ou
nacional. Há mais interesse por uma partida de futebol do que pelos contratos
comerciais do País no estrangeiro. Liga-se mais importância à escolha de uma
seleção de futebol que à eleição dos homens que hão de nos governar. Até nas
repartições públicas se faculta o ponto quando há um jogo importante. E nenhum
funcionário público comparece à sua repartição quando o seu time vai jogar uma
partida decisiva.
Nenhum
funcionário público, nenhum catedrático de nossas universidades, nem mesmo o
presidente da República ganha tanto como um profissional de futebol. São
tratados como crianças mimadas. Vivem cercados de médicos, ortopedistas,
dentistas, enfermeiros, massagistas, nutricionistas, especialistas em todos os
eteceteras. Se lhes acontece alguma cousa, um pequeno acidente, se lhes cai uma
unha do pé, o mundo inteiro sabe e acompanha nervoso os dramas do jogador e a
luta insana da medicina para salvar aquela important~issima peça da mais
importante parte do organismo de um jogador, a pessoa mais importante daquele
país. Possuem casas, cadilaques, geladeiras, televisão, o diabo a catorze.
Recebem milhões para assinar um contrato, gratificações assombrosas por cada
jogo, pingues ordenados e mais vantagens fabulosas.
Diante desses
homens que apenas possuem um bom par de pernas, que não estudaram, que não levam
consigo nenhum mérito do esforço e do trabalho, as multidões deliram como se
estivessem diante de deuses descidos do Olimpo.
Não sou
inimigo do futebol. Até gosto de assistir a umas peladas. Mas sou contra os
exageros, a deificação dos jogadores, a inversão de valores, a transformação d
eum esporte em causa nacional mais importante do que os mais importantes
problemas do país.
Mas isso é o
Brasil! Razões de sobra tinha vigário do sertão, apoquentado com a garotada que
jogava futebol nas calçadas da sua igreja, a exclamar indignado: – Este país não
pode ir pra frente, pois, só se dá valor, hoje em dia, a futebol, à futilidade e
ao fute.
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Do
livro "Sertão Brabo", de autoria do escritor cearense Padre Antônio
Vieira.
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