Opinião
MARIELLE:
ESSE CRIME TERÁ CASTIGO
MARLI GONÇALVES
Mulher,
negra, lésbica, vereadora, combativa, corajosa, jovem. Marielle, de
cara, juntou sete motivos para exasperar muita gente, tanto a ponto de
ser executada friamente numa viela do Estácio, no Rio de Janeiro. “Se
alguém quer matar-me de amor/Que me mate no Estácio/Bem no compasso, bem
junto ao passo/Do passista da escola de samba/Do Largo do Estácio”... –
profetizou Luiz Melodia
______
Assim,
Marielle passou definitivamente à História. Balas que estavam por aí
perdidas, literalmente, desde 2006, a encontraram no Estácio. Quatro
delas. Todas na cabeça, como se não só quisessem matá-la, mas também
suas ideias, sua beleza, seus pensamentos. Pouco importava a eles
quantas vidas levariam junto, como levou a do motorista Anderson Gomes
traiçoeiramente, três outras dessas balas amargas nas costas. Balas
malditas do lote UZZ-18, arsenal que já havia sido usado na maior
chacina de São Paulo, em agosto de 2015, o horror quando 23 pessoas,
muitos jovens, foram mortas. Quantas balas mais estarão por aí?
Balas
que mataram de amor que o país inteiro dedicou e demonstrou nas horas
seguintes e que nos mantêm inquietos e alertas até que se descubra tudo.
Quem foi? Quem “foram”? - que isso é coisa de mais de um. Por quê? Quem
mandou? No pé de quem Marielle pisou? Queremos ver a cara deles e,
podem apostar, serão todos homens.
Enquanto
isso estamos sendo obrigados a ver outras caras que por mais que se
esforcem, não conseguiremos nunca acreditar em suas compungidas
expressões, muito menos no silêncio escandaloso preferido por certos
outros, e nem em muitas de suas condolências com palavras poderosas
acompanhadas de pouca ação, que pouco importam. Um, o religioso
prefeito, se apressou em dar o nome de uma escola, decretar luto
oficial. Outro, o presidente do país, falou, falou e não disse nada, com
sua oratória de sempre, voltada a si próprio. Sim, é inaceitável; sim,
atenta contra a democracia. Foi até mais longe quando puxou a
intervenção na segurança – a intervenção que não interviu, não
interveio, e ao que parece, não intervirá na crescente violência que
destrói a Cidade Maravilhosa. Presidente esse que meia hora depois
sorria fazendo politicagem com a turma de um tal programa “Brasil mais
jovem”, puxando um minuto de silêncio com apenas 30 segundos e posando
com uma bola nas mãos. Eu disse bola. Que bola foi essa?
O
que o Brasil mais jovem verá não dá para calcular nesse momento
dramático. Mas o que está vendo é de revirar o estômago. De um lado,
oportunismo político deslavado. De outro, manifestações nas redes
sociais que chegam a dar vergonha e que expõem a degradação humana, uma
sociedade má, burra, doente. Atrás de seus quadradinhos com fotos, ou de
pseudônimos tonitruantes, do alto de suas vidas vis e egoístas,
despejam o que há de pior, aplaudem mortes, querem comparar quem morre
pior do que outro, e chegam a ensaiar um “bem feito, quem mandou cuidar
de direitos humanos”. Essa gente mata sem puxar gatilho; mata com o
veneno que destilam, com a ignorância que exibem, com o atraso que
causam.
Que
tiros foram esses? São iguais aos tantos que matam os policiais, as
crianças, os pais e mães de família? Não, esses foram ainda piores de
alguma forma: vieram com endereço certo. Mais perigosos, mais
elaborados, combinados em cima de uma clara simbologia.
Mataram,
e pela culatra, esses tiros também os matará. Criaram um símbolo
imortal de luta, uma movimentação nova, doída, onde as mulheres brancas e
negras, lésbicas ou não, mães ou não, também se mostrarão mais
corajosas e combativas. Nas ruas. Cobrando o resultado da investigação.
Queremos ver a cara de quem apertou esse gatilho. Queremos olhar bem a
cara de seus cúmplices. Poderemos guerrear contra a maldade que nos
cerca e aproveita uma ocasião como essa para sair de seu buraco
profundo.
Esse
e outros assassinatos do mesmo dia marcaram com sangue o calendário: um
mês da intervenção militar na segurança do Rio de Janeiro; quatro anos
da Operação Lava Jato, que só levanta as pontas desse tapete que nos
derruba diariamente.
O
tiro que queremos ver no coração da corrupção, origem de muitos desses
males, continua guardado, sabe-se lá onde, sabe-se lá com quem.
Marli Gonçalves, jornalista – Marielle, com as letras de seu nome posso escrever o meu. Escrevo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário