Opinião

Marielle morreu, mas a desembargadora Marília continua viva e solta

“O que será que essa professora ensina a quem???? Esperem um momento que fui ali me matar e já volto, tá?”.
Quem escreveu esta barbaridade e publicou nas redes sociais foi a desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, referindo-se a Débora Seabra, a primeira professora Down do Brasil que há mais de dez anos ensina crianças de uma escola de Natal.
A desembargadora não se matou e não voltou. Sumiu de cena sem negar a autoria deste crime contra a dignidade humana de uma professora especial.
É a mesma autoridade judiciária que atacou a memória da vereadora Marielle Franco, executada na semana passada no mesmo Rio de Janeiro em que a doutora Castro Neves continua julgando impunemente os seus semelhantes. Sobre Marielle, ela teve a coragem de publicar isto:
“Foi eleita pelo Comando Vermelho (…) Temos certeza de que seu comportamento ditado por seu engajamento político foi determinante para seu trágico fim. Qualquer outra coisa diversa é mimimi da esquerda tentando agregar valor a um cadáver tão comum como qualquer outro”.
Diante das manifestações de repúdio a este comportamento criminoso da desembargadora, o Conselho Nacional de Justiça resolveu esta semana abrir um processo.
Segundo nota oficial do CNJ, o ministro corregedor João Otávio de Noronha “determinou a abertura de procedimento para averiguar os fatos”.
Averiguar o quê? O que mais é preciso acontecer para afastar imediatamente esta senhora das suas funções até a conclusão do processo?
Como pode alguém ter o poder de julgar os outros sendo capaz de agredir desta forma outras mulheres?
Não se tem notícia de outro “procedimento” para averiguar o caso da professora Down de Natal, tão ou mais grave que a agressão póstuma a Marielle, que não pode mais se defender, pois Débora está viva prestando relevantes serviços à sociedade.
Quem deu a melhor resposta ao ataque que sofreu foi a própria professora Débora Seabra, que escreveu uma carta à mão para mostrar a diferença que existe entre ela e a desembargadora:
“Eu ensino muitas coisas para as crianças. A principal delas é que elas sejam educadas, tenham respeito pelas outras, aceitem as diferenças de cada uma, ajudem a quem precisar mais”.
Minha indignação diante destes fatos foi aumentando ao ler “A lição de uma professora Down”, título da coluna do meu colega Jairo Marques publicada nesta quarta-feira na Folha, lembrando que hoje se celebra o Dia Internacional da Síndrome de Down. Em sua cadeira de rodas, Jairo escreveu por mim o que também sinto:
“Hoje é dia de tornar memorável a lição de uma professora com síndrome de Down que, ao ser insultada e ridicularizada por quem mais deveria elevar seu valor humano, reagiu com a nobreza de quem entende perfeitamente a dimensão (e a pequenez) da existência, continuando a ensinar e a tentar criar uma realidade melhor para todos”.
A excelentíssima senhora doutora Marília Castro Neves continua,até o momento, bem viva, leve e solta, com seu poder de julgar os outros no TJ do Rio de Janeiro.
Se e quando um dia ela for punida pelo que publicou sobre Marielle e Débora, a pena máxima que receberá é ser aposentada mais cedo, com o salário vitalício de mais de R$ 30 mil por mês pago por nós.
Vida que segue, cada vez mais envergonhada e desacreditada da nossa Justiça.

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