Cinco anos de Francisco e o novo bispo do Porto
1.
Dá que pensar. Segundo o Código de Direito Canónico, o Papa é o homem
mais poderoso, já que tem "poder ordinário, que é supremo, pleno,
imediato e universal na Igreja, que pode exercer sempre livremente". No
entanto, Bento XVI, que resignou, marcando com esse gesto corajoso a
história do papado, veio dizer mais tarde que o Papa pode menos do que
se julga. O teólogo José M. Castillo revelou recentemente que pouco
tempo antes da sua renúncia uma personalidade muito importante em Roma
lhe disse: "Reza pela Igreja, que está tão mal que já não pode cair mais
baixo."
Os cardeais foram buscar o
sucessor "ao fim do mundo", o primeiro Papa jesuíta e latino-americano
da história, que escolheu como nome Francisco, indicando já aí todo um
programa. Foi há cinco anos, no dia 13 de Março de 2013.
A
revolução de Francisco é simples e é toda: é um Papa cristão, não
porque é baptizado mas porque tenta ser discípulo de Jesus. Acredita no
Evangelho como notícia boa e felicitante para ele próprio, isso mesmo:
para ele próprio, em primeiro lugar. Não acredita por obrigação ou
imposição exterior, histórica ou social, mas simplesmente porque é a
mensagem mais humanizante e libertadora que ele conhece: Deus é amor
incondicional e o seu único interesse é a alegria, a felicidade de todos
os homens e mulheres e a sua plena realização na vida e na morte.
Porque
esta notícia é boa e felicitante para ele, quer levá-la a todos, por
palavras e obras. É simples e é tudo. Por isso, o seu pontificado está
sob o lema da alegria - dedicou duas exortações à alegria: "A alegria do
Evangelho", "A alegria do amor" - e da misericórdia: "o nome de Deus é
misericórdia" e o Evangelho é portador de alegria. O resto é
consequência desta chama, retomando a primavera do Concílio Vaticano II.
Para a pedofilia, tolerância zero e, para o Banco do Vaticano, a
transparência tem de ser a lei. A Igreja é uma "Igreja em saída", que
deve ser "hospital de campanha", que cura as feridas, também dos
católicos em "situação irregular". Como diz José M. Vidal, "Francisco
quer acabar com uma Cúria entendida como maquinaria de poder", pondo-a
ao serviço do Papa e da Igreja universal. "A Igreja somos nós todos" e é
preciso passar de uma Igreja imperial para uma Igreja ao serviço de
todos, passar de uma Igreja piramidal, na qual a relação é
hierarquia-leigos, para uma Igreja comunional, na qual a relação é
comunidade-ministérios, serviços. A Igreja é a única instituição
verdadeiramente global e, por isso, necessita de descentralização.
Francisco não quer padres "funcionários" nem bispos "príncipes": o
clericalismo e o carreirismo são, com a "corte papal", "a peste da
Igreja". Tarefa essencial é a democratização, com a participação de
todos, também das mulheres, nos lugares cimeiros de decisão: o que é de
todos deve ser decidido por todos. O celibato dos padres não é um dogma e
há abertura para a ordenação de homens casados. Nunca mais houve
condenação de teólogos, que devem colocar a fé a dialogar com a ciência,
o mundo e o futuro.
Francisco sublinha
veementemente a importância da ecologia e da salvaguarda da criação e
do meio ambiente: a encíclica Laudato sí fará história. Rasga horizontes
novos nos caminhos do diálogo ecuménico com as outras igrejas cristãs e
também do diálogo inter-religioso. Porque os bens têm de estar ao
serviço de todos, quer que a economia funcione, mas critica de modo duro
modelos económico-financeiros que criam exclusão e "matam". É um líder
político-moral global, talvez o mais amado e influente. "A Terceira
Guerra Mundial está em curso, aos pedaços" e o perigo é que se torne
total e nuclear. E aí estão os seus apelos constantes à paz, ao
acolhimento dos refugiados e as suas visitas a países das periferias,
com uma diplomacia de pontífice (que estabelece pontes), para Cuba, para
a Colômbia, para a Coreia... Desígnio maior é ir a Moscovo e a Pequim,
podendo, aliás, estar iminente um acordo entre o Vaticano e a China.
Francisco
conseguirá a renovação funda da Igreja? Síntese e cruzamento de
franciscano e jesuíta precisa ainda de tempo para que as mudanças se
tornem irreversíveis. Mas o problema não é só dele, pois o essencial é a
conversão dos mediadores - cardeais, bispos, padres - ao Evangelho e a
cristãos. Precisará, no entanto, também de nomear mais um conjunto de
cardeais bergoglianos que continuem, após a sua morte ou resignação, o
trabalho ingente que iniciou.
2. Eu não
entendo que haja bispos das Forças Armadas, pois isso lembra "o Deus
dos Exércitos" do Antigo Testamento. O novo bispo do Porto, Manuel
Linda, é de lá que vem, mas com uma tese de doutoramento sobre o célebre
antecessor, D. António Ferreira Gomes, e com o espírito de Francisco,
como declarou na sua mensagem aos católicos, afirmando que está com
todos mas de modo especial com os débeis, os doentes, os mais
carenciados e prometendo que "procurará reconduzir a Igreja a uma tal
simplicidade evangélica que a constitua referencial ético para o mundo
actual".
Dizia-me recentemente uma
figura eminente da cultura e da política que um bispo actual e de acordo
com o Evangelho deveria renunciar ao palácio e ir viver para um
apartamento modesto, acabar com o "Dom" a anteceder o nome, conduzir ele
mesmo o seu carro utilitário, reunir-se todas as semanas com pessoas e
grupos de horizontes vários. Afinal, o que quer e promete o novo bispo
do Porto, que se diz fã do Papa Francisco a "200%".
Fica
aqui uma saudação cordial ao conterrâneo ilustre, com os melhores votos
de belas realizações apostólicas, segundo o Evangelho, na continuação
do "legado deixado pelo seu imediato antecessor, D. António Francisco,
que se notabilizou pela sua preocupação com os mais desfavorecidos e com
os que mais sofrem", como lembrou Sebastião Feyo de Azevedo, reitor da
Universidade do Porto.
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