Por que os maiores dramas sociais não entram no “Brasil que eu quero?”
Ainda não vi ninguém reclamar que está desempregado e a família toda vive sem trabalho há muito tempo.
Não é curioso o silêncio sobre este que é o maior drama social brasileiro, com mais de 12 milhões de desempregados?
Da mesma forma, a profunda e crescente desigualdade social que degrada nosso país só é lembrada de passagem, como se fosse apenas um detalhe.
Por que os maiores dramas sociais do país não entram na massacrante campanha institucional “O Brasil que eu quero” deflagrada pela Globo em todos os seus telejornais e intervalos comerciais?
Também, o que se pode esperar de uma mensagem de 15 segundos em que o cidadão tem que falar o nome, a cidade e a profissão e ainda resumir em poucas palavras as suas esperanças num país melhor?
“Qual é o objetivo?”, perguntam-se muitos brasileiros curiosos em saber o que vai ser feito dessa monumental enquete na qual a maioria apenas repete os jargões de sempre de todas as pesquisas e promessas de todos os candidatos em todas as eleições: mais educação, saúde, moradia e segurança, e menos corrupção.
Ou seja, tudo o que já estamos carecas de saber. E daí?
Para participar, o telespectador/eleitor tem que apresentar todos os seus dados cadastrais, assim como faz o Facebook, por exemplo, a grande plataforma mundial que vem sendo denunciada por manipular dados em campanhas eleitorais.
Ah, e tem que deixar o celular deitado, na horizontal, posando na frente de algum ponto turístico da sua cidade.
A segunda parte do regulamento não vem sendo cumprida porque muitos resolveram se postar diante de lugares que mostram as mazelas e carências do país.
Mais chatos do que os desejos repetitivos e maçantes, são os comentários dos ancoras, que reforçam o que acabaram de ouvir, sempre com os mesmos discursos a favor da água encanada e da energia elétrica. Tem alguém contra?
Logo no início da campanha, Mauro Donato, do Diário do Centro do Mundo, reproduziu as dúvidas de alguns eleitores.
“Bonner, qual o verdadeiro propósito desta campanha da Globo? Nós, telespectadores, estamos com o pé atrás com isso… pelo menos os telespectadores pensantes”.
Outra telespectadora perguntou: “E o que a Globo vai fazer com esses vídeos?”.
A resposta de Bonner: “A Globo vai exibi-los. Vai amplificar as vozes dos cidadãos. Permitir a todo o público saber o que os brasileiros desejam para o futuro do país. Sejam eleitores ou candidatos”.
Será que todos os eleitores e candidatos já não sabem o que é melhor para o país?
Basta consultar qualquer pesquisa qualitativa dessas encomendadas desde sempre pelos candidatos para saber o que devem falar para conquistar o voto do eleitor. Ninguém precisa da Globo para isso.
A matéria do DCM lista também as críticas que começaram a surgir à emissora:
“O Brasil que gostaríamos não existe para os pobres. Só para os ricos e nas novelas da rede golpista. O que a Rede Globo pretende maquiar desta vez?”
“15 segundos? Tá de brincadeira, com esse tempo não dá pra fazer nem um miojo, que dirá pra falar do Brasil que eu quero, com tanta coisa para arrumar e sujeira para limpar”.
Principal âncora da emissora, William Bonner procura responder às críticas mostrando os objetivos da campanha:
“Oferecer ao país um mosaico de anseios dos cidadãos. Uma oportunidade de verbalizar o que cada um quer e o que não quer para o nosso futuro. Nada de pé atrás!”.
Uma dúvida que me ocorreu também é como a Globo seleciona os vídeos que irão ao ar.
Como certamente vários moradores de uma mesma cidade enviam seus vídeos, quais os critérios utilizados para selecionar aquele que será premiado com a exibição nos telejornais?
Para o repórter Mauro Donato, seria a televisão replicando o modo operacional do Facebook.
“Tudo o que é compartilhado, curtido ou preenchido na rede social serve para traçar o perfil e segmentar o usuário como consumidor em infinitos nichos de mercado. Basta uma boa compilação desses dados e a Globo terá um material de valores múltiplos: monetário, político, demográfico”.
Não entendo muito disso, mas deve ter algo a ver com o fantástico mundo dos algoritmos e da inteligência artificial que agora comanda nossas vidas.
E pensar que ainda temos seis meses pela frente até as eleições, com esta pergunta martelando na nossa cabeça todos os dias da semana: “Que Brasil você quer para o futuro?”
Quem não estiver disposto a seguir as regras da televisão, e usar o celular deitado, pode mandar suas respostas pelo computador aqui mesmo para o Balaio.
Só não vale ofensa e palavrão. Também não vale pedir emprego, cerveja mais barata e entradas grátis em todos os cinemas e campos de futebol.
E vida que segue.
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