"Está difícil ter orgulho de ser brasileiro", diz Martinho da Vila, antes de show em Paris
“As mudanças do mundo foram feitas pelos otimistas”, profetiza, aos 81 anos, o sambista Martinho da Vila. E como as oito décadas de vida não abalaram o otimismo do cantor, é essa a mensagem que ele transmite em sua turnê pela Europa, que celebra seus 50 anos de carreira. Depois de passar pela Irlanda e por Portugal, Martinho aporta na França, onde se apresenta no La Cigale, em Paris, nesta sexta-feira (17). No show, grandes sucessos e músicas do novo CD, Bandeira da Fé.
O artista explica que a “fé”, no título do novo álbum, não tem nenhuma conotação religiosa, mas sim o sentido “de acreditar que as coisas podem mudar”. “O cara que é pessimista não faz nada, ele não tem fé. Eu sou positivo e acho que o Vasco da Gama, apesar de estar na lanterna do Campeonato Brasileiro, vai ser campeão deste torneiro”, conta o cantor, dando mesmo grande exemplo de pensamento positivo.
Mas nem só de otimismo fala o novo disco de Martinho. Bandeira da Fé celebra também o carnaval, as mulheres da sua vida, a cultura negra, se revelando um testemunho da carreira e da vida do cantor e compositor.
As celebrações em torno do aniversário começaram ano passado, com o lançamento do livro “2018 - Crônicas de um ano atípico”, em que Martinho escreve sobre a derrota da seleção brasileira na Copa do Mundo, as eleições presidenciais, sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e sobre sua visita com Chico Buarque ao ex-presidente Lula, na prisão, em Curitiba. Um cenário muito diverso daquele que o sambista esperava encontrar nesta fase da sua vida.
“O Brasil sempre foi visto como o país do futuro. E isso continuou até 2010, com o governo Lula. Agora tivemos uma regressão, mas ainda acredito que vamos chegar lá”, revela ele, nada desanimado.
Seja no disco, seja no livro, seja na própria vida, o samba é um capítulo maior para Martinho. É a música do morro, das favelas, dos desfavorecidos. E, em sua opinião, o ritmo continua cumprindo esse papel no combate social das minorias. “O samba é uma música de sentimento. As composições mais tradicionais sempre trazem uma mensagem, falam da realidade do morro, da falta de emprego, da vida difícil, dos problemas para manter a família, sempre fazendo um relato da vida social do brasileiro”, explica.
Em 1974, dez anos após o golpe militar, foi de Martinho a sugestão Aruanã-Açu, para sua escola de samba, a Vila Isabel. Enredo sobre a tribo dos Carajás e a ameaça aos povos indígenas. O sambista lamenta que, passados 45 anos, a censura e essa ameaça aos índios estejam de volta ao cenário do País. “Quando a gente pensava que as cabeças mudaram, que estava tudo avançando, rola uma tristeza geral, está difícil ter orgulho de ser brasileiro”, lamenta.
Um eterno candidato à ABL
Apesar de festejar seus 81 anos com saúde, em mais uma turnê internacional e fazendo o que ama - fazendo samba, cantando, fazendo os outros sambar -, o músico ainda não abre mão de uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. E explica que já pode ter alcançado a imortalidade pelo reconhecimento e admiração de seu público, mas que conquistar a vaga na academia significa garantir a representatividade do negro em todas as esferas.
“Como diria o Candeia, o sambista não precisa de academia. Mas a Academia (Brasileira de Letras) é importante porque precisamos ocupar os espaços, temos que estar em todos os lugares. Seja no âmbito do governo estadual, seja no âmbito do governo nacional, “a foto” não tem a cara do Brasil, porque não tem nenhum negro nessa foto”, enfatiza o também escritor Martinho da Vila.
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