Cultura do ódio
Ricardo Viveiros*
A pedagoga e escritora colombiana Yolanda Reyes, em sua coluna no jornal El Tiempo,
tratou com brilho, lucidez e preocupação um tema que também nos diz
respeito. Segundo ela, há países que estão necessitando de tratamento
psicológico, sua saúde mental está em estado de emergência, requerendo
terapia intensiva.
De
fato, não pode ser considerado "normal" o clima de irritabilidade,
revolta e ódio explicitado por muitas pessoas nos lares, escolas,
empresas, estádios, meios de transportes, shoppings, ruas de nosso País.
As pessoas, desde a campanha eleitoral do ano passado, em minutos vão
da ofensa pessoal à agressão, sem qualquer limite de bom senso. Do nada,
por
nada, para nada. Simples descontrole e violência.
O
Brasil sempre visto internacionalmente como um país pacifico, no qual
convivem e buscam a felicidade imigrantes de vários cantos do mundo,
tornou-se um campo minado. Um lugar perigoso para quem ousa exercer o
direito à liberdade de opinião. Há registros de feridos e mortos por
mostrarem que pensam diferente, que não concordam com radicalismos de
qualquer
tendência política. E não fica só nesse aspecto, a barbárie já alcança
as diferenças religiosas, de gênero, de cor e por aí vai a inconsciência
quanto ao direito do próximo.
Estamos,
de modo geral, divididos em dois grupos principais: os contra e os a
favor. E se perguntarmos de quem ou do que, alguns militantes dos dois
lados nem mesmo saberão responder o porquê. A tecnologia, criada para
aproximar pessoas pelos telefones celulares, está sendo utilizada para
acirrar os ânimos, promover discórdia e gerar conflitos. Jogar uns
contra outros.
Todos os dias recebemos vídeos de pessoas sendo ofendidas, agredidas,
acuadas em locais públicos por suas posições ideológicas.
Que
síndrome é essa que faz humanos, até então equilibrados, perderem a
calma e atacarem os seus semelhantes? São centenas de falsas notícias,
imagens montadas, cenas antigas repaginadas, versões de fatos causando
reações imprevisíveis. Erros do passado são lembrados no presente para
destruir o futuro. Violência gera
violência que gera violência que gera violência... E não acaba mais. Ou
acaba sim, em tragédia como registra a história.
Estamos
nos tornando incapazes de ter esperança, de acreditar em transformações
positivas. O que poderia ser motivador de mudanças para melhor, tem
gerado discórdia, insegurança e sombras. A filósofa norte-americana
Martha C. Nussbaum, em seu livro "A monarquia do medo", um ensaio
inspirado na política dos EUA, deixa claro que a raiva traz
impotência e medo, portanto é um veneno rápido para matar a democracia.
Porque ações irracionais tiram o foco dos verdadeiros problemas, que
assim não têm solução. Entusiasmam o surgimento de "salvadores da
Pátria", que levam a golpes políticos.
Quando
o prefeito de uma cidade com graves problemas de segurança, saúde,
educação, emprego, moradia e mobilidade se ocupa com censurar e
apreender livros por razões subjetivas, ignorando leis, limitando o
conhecimento, duvidando da educação dada pelas famílias e impedindo o
livre debate de ideias, acende-se uma luz amarela de alerta. Da
discussão civilizada e da divergência de pensamento surgem as saídas,
porque tais práticas permitem a chance de pensar e exercer
responsabilidade cidadã.
É
hora de unir, não dividir. Acabar com essa onda de insana delinquência
emocional e física. Precisamos acreditar em nós mesmos, manter
vigilância e cobrar resultados dos três poderes. O momento exige coragem
não para agredir, e sim para permitir a certeza de que nem tudo está
perdido.
*Ricardo Viveiros, 69, é jornalista e escritor.
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