Coluna
Opinião
leonardo sakamoto
Silêncio de Bolsonaro e Moro soa como endosso a ataque ao Porta dos Fundos

O presidente Jair Bolsonaro,
conhecido por sua verborragia, manteve um incômodo silêncio, até o
momento, sobre o ataque à sede da produtora do Porta dos Fundos, no dia
24 de dezembro. A tentativa de incendiar o local ocorreu após ameaças
por conta de seu especial de Natal - um programa de humor sobre o
aniversário de Jesus.
Da mesma forma, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro,
não se manifestou a respeito do caso - apesar do ataque representar uma
afronta ao Estado de direito e à liberdade de expressão. Preferiu
apoiar o indulto de Natal a policiais, defender sua visão do pacote
anticrime, fazer propaganda pessoal e posar ao lado de uma estátua de
Winston Churchil nas redes sociais.
Em
um contexto de intolerância deflagrada, o silêncio da principal
autoridade do país e de seu auxiliar para questões de direitos
fundamentais, após um ataque terrorista, soa como anuência. Pior, como
endosso. Esse silêncio se espalha como um vírus, infeccionando a
democracia e oferecendo a fundamentalistas religiosos, fanáticos
políticos, racistas, fascistas, incels, milicianos ou imbecis
mal-intencionados a certeza da impunidade para que imponham mais medo.
Bolsonaro
não precisa concordar com o Porta dos Fundos, mas proteger a
democracia. O problema é a dificuldade em proteger algo do qual
entende-se muito pouco.
Na
história do país, o ódio sempre se manifestou de forma estruturada e
articulada contra negros, indígenas, população LGBTQI+, pessoas em
situação de rua, migrantes pobres, entre outros. Contra eles, o Brasil
vem cometendo terrorismo de Estado há tanto tempo que se tornou parte
das nossas fundações, um crime coletivo que, tristemente, vem nos
definindo como sociedade. Afinal, não é só o silêncio de Bolsonaro e
Moro que incomodam.
Agora
essa violência volta à classe média urbana e a seus formadores de
opinião e intelectuais, seguindo os passos da última ditadura militar. O
ódio não foi criado agora, mas atinge um novo patamar. Qual será o
próximo alvo? Bombas em redações de jornais? Atiradores em
universidades? Com a política de armas do presidente, isso ficou,
inclusive, mais fácil.
Durante
a campanha eleitoral do ano passado, alertou-se que o ódio semeado por
Bolsonaro iria gerar frutos ao longo de seu mandato. A surpresa é a
velocidade com a qual isso está florescendo. Não se imaginou que, logo
no início, teríamos ataques terroristas contra programas humorísticos.
Isso demonstra a "competência" do presidente, que tem inundado a
sociedade com discursos que apoiam guerras políticas e culturais. Melhor
seria se fosse competente em acelerar a geração de empregos com
carteira assinada, mas isso não parece ser prioridade.
Uma
semana antes do segundo turno de 2018, Bolsonaro prometeu "uma limpeza
nunca vista na história" após eleito. "Vamos varrer do mapa esses
bandidos vermelhos do Brasil", afirmou. "Essa turma, se quiser ficar
aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou
vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa
pátria."
Em suma, varrer, banir, prender ou exilar adversários. Deixou claro que seu mandato jogaria gasolina no fogo.
Após
a execução da vereadora Marielle Franco, em março de 2018, muitos foram
os idiotas que celebraram ou minimizaram o horror de sua morte. O
ataque a tiros aos ônibus da caravana que o ex-presidente Lula realizou
na região Sul, no mesmo mês, seria rechaçado por todos em qualquer
democracia decente - o que não foi o caso por aqui, dada a quantidade de
comemorações. A abominável facada sofrida por Bolsonaro foi celebrada
por pessoas estúpidas que queriam que Adélio Bispo tivesse terminado o
serviço. O músico Moa do Catendê, eleitor de Fernando Haddad, foi morto a
faca por um eleitor de Bolsonaro, em Salvador, para júbilo de
mentecaptos. Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, disse que
foi armado ao Supremo Tribunal Federal para matar o ministro Gilmar
Mendes e ignorantes o chamaram de herói.
Bolsonaro
não demonstrou indignação à altura diante de nada disso, com exceção do
seu próprio infortúnio. Pelo contrário, radicalizou e dobrou a aposta
ao longo de 2019. E indivíduos e grupos radicais, sentindo-se
empoderados pela mudança de governo, foram à forra.
Jovens
rapazes de escolas se juntam para dar "corretivos" nas colegas
feministas e mostrar quem manda. Fazendeiros se juntam para atacar
fiscais e movimentos de sem-terra, indígenas, camponeses ignorando
decisões judiciais. Milicianos se juntam em grupos de extermínio para
fazer valer a sua ordem, recebendo dinheiro até de gabinetes de
políticos. Empresários se juntam para remover a população em situação de
rua e os sem-teto de seu entorno, matando, sem pudor, na frente de
câmeras de segurança. Grupos homofóbicos se juntam para atacar baladas LGBTQI+
e racistas se juntam para espancar jovens negros, chamando-os de
vagabundos apesar de estudarem e trabalharem. Pessoas se juntam para
atacar jornalistas que insistem em dizer o contrário do que o grupo de WhatsApp ensinou.
Antes
do fim de 2018, ouvíamos de analistas que chamavam de "exagero" a
possibilidade de Bolsonaro colocar em prática a parte mais dura de suas
promessas. Ironicamente, eram os mesmos que, meses antes, tachavam de
"exagero" nossas avaliações de que ele seria o próximo presidente. Antes
do início de sua gestão, os mesmos analistas afirmavam com
indescritível certeza que ele seria devidamente controlado - seja pelos
freios e contrapesos institucionais (quando as instituições já davam
provas de que não estavam funcionando perfeitamente), pela força da
imprensa e da sociedade civil (quando a imprensa já era chamada
constantemente de principal produtora de fake news) e pelo mercado (como
se o mercado se preocupasse com qualquer coisa que não ele mesmo). Foi
freado em muita mudança que propôs, sim. Mas seu discurso surfou
livremente.
Munidos
com o ódio que fermentaram ao longo do tempo e com a sensação de
estarem fazendo um serviço público endossado pelas autoridades, soldados
agem para "dar um jeito na escória". Como sempre digo aqui, não são as
mãos dos líderes políticos, sociais, econômicos e comunicadores que
atacam, mas é a sobreposição de seus argumentos, a escolha que faz das
palavras ao longo do tempo e o exemplo que transmitem que distorcem a
visão de mundo de seus seguidores e tornam o ato da violência banal.
Suas ações e palavras redefinem, lentamente, o que é ética e
esteticamente aceitável, visão que depois é consumida e praticada por
terceiros. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, quase em uma
missão civilizatória ou divina, e irão para a guerra.
A
liberdade de expressão não aceita censura prévia e prevê a
responsabilização judicial posterior. Pois a partir do momento em que o
debate é interditado por balas, facadas ou coquetéis-molotov em
programas de humor, a sociedade é ferida de morte.
A
discussão não é entre direita e esquerda, mas entre civilização e
barbárie. E, no silêncio daqueles que podem se opor a isso, a barbárie
avança.
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