Leonardo Sakamoto
Com Enem à deriva, Weintraub arranja tempo para atacar Karnal e Villa
Dois historiadores foram alvos de Abraham Weintraub, na sequência, em sua conta no Twitter, nesta quinta (23).
O ministro da Educação acusou Leandro Karnal de ser chato e petulante por conta de uma declaração do professor da Unicamp no qual afirma que o ministro Sergio Moro
e o procurador Deltan Dallagnol "são dotados de um certo tenentismo".
Weintraub compartilhou uma postagem que diz que a "cara", o "jeito", a
"voz", a "postura", o "conteúdo" de Karnal irritam.
E, frente a críticas ao Ministério da Educação, ele chamou Marco Antonio Villa de "boca de esgoto".
Dedicou um vídeo inteiro, aliás, para insinuar que Villa tem mau hálito
e questionou se a rádio Jovem Pan o recontratou como comentarista por
pressão do governador João Doria e do PSDB.
Ele
não cita diretamente o nome de Villa, mas nem precisaria. Os vídeos
contra o professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos
foram gravados da Esplanada dos Ministérios em Brasília, ou seja, do
local de trabalho de Abraham Weintraub.
Além
de gastar tempo atacando críticos do governo, também arranjou tempo
para divulgar imagem de sua ficha de apoiador da "Aliança pelo Brasil", o
partido que está sendo criado por Jair Bolsonaro
após sua saída do PSL. A manutenção do clima de beligerância e os
afagos ao chefe através do ataque a seus críticos surte efeito a
princípio e ele vai permanecendo, apesar das reclamações de alas do
próprio governo.
Enquanto isso, o cabaré está em chamas.
Estudantes que se sentiram prejudicados pelos erros no Enem 2019 estão registrando representações no Ministério Público Federal,
que exige revisão geral da correção da prova, auditoria transparente
nos processos e suspensão da seleção pelo Sisu - o Sistema de Seleção
Unificado - enquanto tudo não for resolvido. As reclamações pipocaram
nas redes sociais logo após Weintraub ter dito que este foi "o melhor
Enem de todos os tempos" na última sexta.
A Justiça Federal já determinou que o governo revise a correção de alunos que entraram com pedidos.
Já
no sábado, o ministro gravou um vídeo no Twitter dizendo que tudo
estava sob controle e que o número de afetados era relativamente
minúsculo. Mas, na hora da entrevista coletiva com a imprensa, deixou o
presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais), Alexandre Lopes, respondendo sozinho. Preferiu ir postar
um vídeo em que aparece cantando e tocando música com o irmão.
O
MEC recebeu mais de 172 mil reclamações sobre a nota, mas disse que
encontrou erros em menos de 6 mil.Como resposta às críticas, o ministro
tem postado vídeos dizendo que o Sisu está funcionando normalmente.
Mas não é esse sistema que foi posto em xeque, mas o do Exame Nacional do Ensino Médio.
A
cada dia que o MEC se nega a atender as demandas do MPF, cresce a
chance de judicialização do Enem, com o consequente atraso no calendário
das universidades em 2020. Ou, pior, o risco de desmoralização do
exame.
O
ataque sequencial a dois historiadores, com pontos de vista
divergentes, pode não ter sido proposital, mas é bastante paradigmático.
O
governo Bolsonaro declarou guerra à educação pública no Brasil em nome
de um projeto de poder. O presidente age como se comandasse o
"Ministério da Verdade" - apresentado no romance "1984", de George
Orwell, com a função de ressignificar os registros históricos e qualquer
notícia contrária.
Ele
precisa dar outra interpretação ao passado para controlar o presente e,
ao mesmo tempo, ressignificar o presente para criar um futuro que possa
chamar de seu. Isso passa por castrar a liberdade de ensino conquistada
desde a redemocratização, intervindo no sentido da educação pública,
atacando outras versões da História e buscando calar narradores da
contemporaneidade, como jornalistas, que sejam de seu desagrado.
Nesse
contexto, são muitos os que desejam que seja ensinada a data em que foi
assinada a Lei Áurea, mas não querem um debate que esclareça porque o
13 de maio de 1888 não garantiu liberdade e autonomia aos negros e
negras deste país. Ou que defendem que uma criança aprenda que a Segunda
Guerra Mundial começou quando a Alemanha invadiu a Polônia, mas
reclamam se professores discutem em sala como um país livre se torna um
Estado totalitário.
A
disputa pela Educação no Brasil não é apenas uma questão de construir o
futuro. Para a extrema direita, é refazer o passado. O problema é que,
na sanha para que sua guerra cultural renda frutos e na luta pela
sobrevivência, o governo deixa de lado o básico, ou seja, o
funcionamento das instituições. Do combate à corrupção à educação.
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