A despedida do senador Tasso
Subiu a tribuna do senado e com ar solene, sem grandes emoções, discursou em despedida, fazendo a prece final dos dois mandatos como senador da república e de sua trajetória pela vida política nacional. Eis a fala de Tasso Jereissati:
-Há quase 20 anos, assumi pela primeira vez a palavra nesta tribuna.
Foi um momento especialíssimo, porque ocuparia, com muito orgulho, a cadeira que o mesmo povo do Ceará, 4 décadas antes, havia confiado a meu pai, senador Carlos Jereissati. Naquele momento, tive a exata dimensão da responsabilidade que pesava sobre meus ombros.
Coincidentemente, meu primeiro discurso foi no dia 19 de março, dia de São José, padroeiro dos cearenses. Para nós, é tradicionalmente o momento de pedir ao santo por um bom inverno e olhar aos céus buscando sinais de chuva. Não por acaso, no meu discurso inaugural, aproveitei para traçar um paralelo entre o momento que vivíamos e o que esperar do futuro que se avizinhava.
Naquele momento, pensava eu, se consolidava a democracia no brasil. Um operário, sindicalista e nordestino assumia a presidência da república, em clima de paz e de festa, sem que tivesse havido um percalço sequer.
Quis o destino que eu me despedisse do senado, exatamente no momento em que lula retorna ao poder, agora após uma das eleições mais conturbadas de nossa história, em que não faltaram ataques à própria democracia, da parte de grupos radicais que, apesar de minoritários, revelaram uma relativa força e poder de mobilização. Felizmente, a maioria da população e as instituições souberam repelir tais ideias.
Exatamente por ter vivenciado de perto esses diferentes momentos históricos, em mim se consolidou a certeza de que a democracia e o bem mais precioso da sociedade brasileira, o espaço vital em que podem se expressar todas as correntes, refletindo a riqueza e a diversidade de nosso povo, suas diferentes circunstâncias e legítimas necessidades. As recentes eleições nos trazem portanto o alerta de que devemos estar sempre vigilantes contra ameaças autoritárias, ainda que surjam e se camuflem por dentro do próprio sistema democrático.
Assim, todos esses anos de senado, além de fortalecer minha crença na democracia como um valor fundamental, me trouxe a dimensão pessoal do seu caráter pedagógico, do eterno aprendizado que advém da sua prática cotidiana.
Aqui muito aprendi ao conviver com pessoas extraordinárias e completamente diferentes entre si, em termos de história de vida, experiência, origem e pensamento. Ouvir, aprender e debater com esses homens e mulheres tão diversos, buscar entender suas razões e argumentos, me fez uma pessoa muito melhor, ensinamentos que carregarei comigo por toda a vida.
Nesse sentido, fiz muitos amigos verdadeiros, tantos que citar um a um tomaria demasiado tempo e paciência de vossas excelências. Mas a todos saúdo e agradeço na presença e nome do presidente Rodrigo Pacheco.
Especificamente no tocante à nossa atividade parlamentar, devo salientar que ao longo dos meus dois mandatos quase sempre fui um senador de oposição. Mesmo após o impeachment da presidenta Dilma, optei por um não alinhamento automático com o governo temer, sempre comprometido com o que considerava benéfico e positivo para o país, evitando ao máximo a contaminação do debate por qualquer viés ideológico ou partidário.
Talvez essa forma de atuar, aliada aos anos de experiência e aprendizado nesta casa, tenham me feito merecedor da generosidade e confiança de meus pares, ao entregar-me a relatoria de projetos relevantes, aos quais me dediquei com afinco, entre os quais destaco a lei das estatais, o marco legal do saneamento, a reforma da previdência.
Trouxemos ali soluções inovadoras visando sempre prestigiar valores republicanos. O acesso de todos a serviços de qualidade, o fortalecimento do investimento privado, a ética na gestão, o crescimento sustentado e o equilíbrio das contas públicas foram os princípios que nortearam nossa atuação.
Buscamos sempre garantir uma ação pública eficiente, eficaz e efetiva, fundamental para que funções estatais de regulação e prestação de serviços se alinhem com os objetivos da república, elencados já no artigo terceiro da constituição federal de 1988.
Aprendi também que no parlamento, o ritmo do processo legislativo e o tempo para decisões não nos pertencem. É preciso ter humildade para reconhecer nossas limitações e confiar no espírito público de nossos pares, presentes e futuros.
Ressalto portanto a relevância de propostas que relatei e apresentei, ainda em tramitação, como por exemplo: a regulação do mercado de créditos de carbono, o projeto de benefício universal infantil, a lei de responsabilidade social, os contratos de impacto social, o mercado de águas, os projetos de avaliação das políticas públicas e subsídios e a PEC da sustentabilidade social. São temas e ideias que deixo aos futuros parlamentares, que decerto saberão aperfeiçoá-las e dar-lhes o melhor caminho.
Neste mesmo sentido, o congresso que tomará posse no ano que vem terá imensos desafios a enfrentar em um cenário internacional mergulhado em incertezas. O mundo ainda se recupera dos choques de oferta e demanda causados pela pandemia, a oferta mundial de energia e o novo cenário de transição energética serão objeto de preocupação. Pressões inflacionárias de alimentos e o ainda preocupante conflito entre Rússia e Ucrânia e suas consequências, estarão na pauta por um bom período.
Não bastasse tal conturbado cenário, o Brasil tem suas próprias guerras a enfrentar: contra a fome, a miséria e a desigualdade. Tudo isso, sem descuidar da sustentabilidade das finanças públicas, origem e fim do desenvolvimento por meio das políticas públicas. Insisto: sem política fiscal, não há política social.
Contudo, ainda que tais obstáculos pareçam intransponíveis, creio que os que aqui permanecerão e aqueles que aqui chegarão, estarão a altura de tão grandes desafios.
Não poderia também sr. Presidente, deixar de louvar a conduta de todos os que fazem esta casa, desde v. Excelência na condução dos trabalhos, todos os demais senadores e senadoras e principalmente o corpo de servidores do senado durante a pandemia global da covid 19. Durante a mais grave crise de saúde publica já enfrentada pela humanidade, jamais deixamos de cumprir nosso dever, encontrando meios e ferramentas para discutir e deliberar sobre formas de combate à doença, seus reflexos na economia, recursos e programas para auxiliar a população mais carente e de apoio a governos e empresas na superação de período tão difícil.
Minha homenagem portanto a tantos quantos fizeram parte desse gigantesco esforço, somente superado pelo universo de servidores públicos vinculados ao sus, heróis a que milhões de brasileiros serão eternamente gratos.
Em particular, me permita também agradecer o apoio de pessoas de talento e competência como nossos auxiliares de gabinete, Fernando Banhos, Sylvio Coelho, professor Fernando Veloso, Gustavo Guimarães, Paulo Marcelo Costa, Josie Melo, Luiz Otavio Caldeira, Fernando Gomide, Marko Oliveira e Luiz Henrique Lucena, além de todos os servidores e terceirizados que nos apoiaram no trabalho diário ao longo de todos esses anos.
Meu especial elogio a todos que fazem o corpo técnico do senado federal, um grupo de profissionais extremamente competentes e de enorme espírito público.
Finalmente senhor presidente, senhoras e senhores senadores, deixo minha mensagem de esperança no futuro do Brasil. Na sua gente que nos dá a cada dia provas de sua força e sabedoria. Nos brasileiros que apesar de todas as dificuldades, verdadeiramente honram o Brasil com o seu trabalho diário e nos inspiram com sua inabalável esperança na vida, e, acima de tudo, sua fé na democracia.
Aos cearenses, a quem tive a honra de servir, minha eterna gratidão. Deles estarei mais próximo, agora como cidadão.
Com o Brasil, estarei sempre pronto a colaborar, agora um pouco mais distante de Brasília, mas com o coração e mente sempre voltados a todos vocês.
Muito obrigado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário