De Prefeito a Santo


A Igreja Católica mandou estudar o Padre Cìcero pra ser beato.

Juazeiro do Norte (CE) - 28 graus - Foi uma solenidade com a pompa e a circunstância com a qual os católicos iniciam o processo de análise da vida e da obra de um candidato a santo, mesmo que esse "santo" já seja "Santo" do povo. Assim, começou ontem, quando completou 152 anos de sua ordenação sacerdotal, o trabalho de "beatificação de Cícero Romão Batista, o padre católico que se ordenou no Seminário da Prainha, em Fortaleza, onde fez os estudos e os fez chegar hoje ao digníssimo posto de "servo de Deus".

"Padim Cíço", como carinhosamente chama o romeiro,  viveu de 1844 e 1934, no Ceará, e sua influência atravessou o campo religioso e alcançou a política. Ele teria presenciado um milagre eucarístico e isso chamou a atenção dos fiéis, apesar de a Igreja Católica não reconhecer oficialmente tal milagre.

Em 1911, Padre Cícero foi eleito prefeito de Juazeiro do Norte. Mesmo após a sua morte, em 1934, a devoção a ele cresce até hoje atraindo milhões de fiéis à Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Juazeiro do Norte, onde estão depositados seus restos mortais. Inúmeros milagres são associados à figura do religioso, mas sem o reconhecimento do Vaticano.O Vaticano,porém,que num primeiro momento chegou a suspender suas órdens sacerdotais, revogou a punição e,com os apelos de católicos, padres e bispos, entendeu que era hora de reconhecer que não à toa o Padre Cìcero já "é Santo do povo".

A juventude

Cícero Romão Batista nasceu em 24 de março de 1844, na cidade de Crato, vizinho à pequenina Juazeiro. Seus pais se chamavam Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Roamana. Sua família era sustentada pelo pequeno comércio da família, e seus primeiros estudos foram feitos na Paraíba. Cícero voltou para a sua cidade natal quando tinha 18 anos, por causa da morte de seu pai. O comércio da família faliu após a morte do patriarca. Desde a infância, Cícero demonstrava seu apreço pelo misticismo e relatava suas visões e revelações. Em uma delas, foi-lhe revelado que sua família não teria problemas financeiros, apesar do fechamento do comércio, que era a única fonte de renda. O coronel Antônio Luiz Alves Pequeno, padrinho de Cícero, socorreu a família e financiou seus estudos em Cajazeiras, interior da Paraíba, e sua passagem pelo Seminário de Prainha, em Fortaleza, capital do Ceará.

Caminhada religiosa de Padre Cícero

Contam os historiadores. Em 1865, Cícero entrou para o seminário, em Fortaleza, e logo percebeu as diferenças entre as práticas religiosas no sertão nordestino e na capital. Enquanto no interior não existia uma autoridade eclesiástica que prezasse pelos ritos de acordo com as ordens do Vaticano, o que possibilitava maior espontaneidade entre os fiéis e a realização de algumas práticas não aceitas pelo clero, na capital, a forte presença do clero e a rigidez na formação dos seminaristas causaram estranheza em Cícero. Em sua formação sacerdotal, ele teve muitas dificuldades, e suas notas não eram das melhores. Apesar de o reitor do seminário, o padre Pierre-Auguste Chevalier, sugerir ao bispo de Fortaleza, Dom Luís Antônio dos Santos, que não ordenasse Cícero, sua ordenação aconteceu em 30 de novembro de 1870. Um ano depois de sua ordenação, Padre Cícero celebrou uma missa em Juazeiro, povoado vizinho de Crato, sua cidade natal. Na ocasião, ele teve um sonho para permanecer na cidade e resolver pendências religiosas locais. O religioso ficou até abril de 1872, quando foi nomeado capelão da Capela Nossa Senhora das Dores.

O milagre de Padre Cícero

Em março de 1889, Padre Cícero celebrava uma missa e, no momento da comunhão, a fiel Maria de Araújo recebeu a hóstia e percebeu que havia se tornado vermelha como sangue. O milagre eucarístico realizado em missas celebradas por Padre Cícero se repetiu e foi necessário chamar o reitor do seminário de Crato para verificar a autenticidade do milagre. Para o reitor, a hóstia, de fato, havia se transformado no sangue do próprio Cristo.A fama de Padre Cícero rapidamente se espalhou, e a imprensa de todo o Brasil noticiou tal milagre. O bispo de Fortaleza, Dom Joaquim José Vieira, não acreditava no milagre, mas enviou uma comissão para analisar o caso. Em 1891, médicos enviados pela Arquidiocese de Fortaleza foram até o local verificar se houve de fato a transformação da hóstia consagrada no sangue de Cristo. Os médicos afirmaram que não havia uma explicação natural para o fenômeno. Dom Joaquim enviou outra comissão, que afirmou serem falsos os milagres eucarísticos. O clero cearense acatou a decisão da segunda comissão e não reconheceu o milagre. Padre Cícero não desistiu de obter o reconhecimento dos seus milagres. Esse fato provocou uma grande romaria à cidade de Juazeiro, dando início à devoção popular ao religioso. As insistências para o reconhecimento do milagre fizeram com que Padre Cícero fosse punido pelo clero, sendo proibido de celebrar missas, fazer pregações e confessar os fiéis. Outra punição que acabou afetando os fiéis foi a proibição de qualquer tipo de peregrinação a Juazeiro.

As proibições à vida religiosa do Padre Cícero só fizeram crescer sua fama e suas históriaas viraram livros e cordéis e seus feitos correram o Nordeste do Brasil. O Nordeste então, passou a correr para Juazeiro em busca das bençãos do "santo Padre Cícero".

O padre e o político

A influência de Padre Cícero extrapolou os limites religiosos e alcançou a política. Ele era uma figura popular e atraía muitas pessoas. Em 1911, Juazeiro foi elevada à condição de cidade, e Padre Cícero se aliou aos políticos locais em defesa da emancipação. O religioso se tornou o primeiro prefeito da nova cidade. Nesse contexto, Padre Cícero articulou um acordo político entre os coronéis da região. Esse acordo ficou conhecido como “pacto dos coronéis” e, com ele, cada coronel apoiaria o governo do Ceará em troca de benefícios. Como disse e a história confirma,as proibições impostas ao Padre Cícero só fizeram aumentar as peregrinações ao Vale do Cariri. Os fiéis queriam conhecer o religioso e pedir algum milagre. Seu nome se tornou famoso não somente no Nordeste, mas no país todo, consagrando-se como uma autoridade religiosa no sertão nordestino. Até hoje a devoção ao religioso é enorme e as peregrinações aos locais por onde ele passou despertam a atenção dos fiéis. Durante a década de 1920, o poder político de Padre Cícero diminuiu e sua saúde se agravou. A Revolução de 1930 acabou com o poder oligárquico e o religioso se afastou da política para tratar dos problemas de saúde. Uma catarata cegou seu olho esquerdo, enquanto o direito enxergava minimamente. Apesar de ter feito uma cirurgia nos olhos, o resultado não foi satisfatório. Além do problema de visão, o religioso sofria de nefrite e problemas intestinais. O religioso morreu em 20 de julho de 1934, sem ver os milagres eucarísticos reconhecidos e afastado da Igreja. Sua reabilitação ocorreu em 2015, mas sem o reconhecimento dos milagres. Até hoje, Juazeiro recebe visitas de fiéis, que vão pedir ou agradecer pela intercessão do “Padim Ciço”, como é conhecido no Nordeste. Este é um pouco da história formal com que os estudiosos analisaram sua vida, mesmo que os milagres tenham passado ao largo dos registros historiográficos.

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