Cheiro de remédio com mutreta lembra que centrão cobiça Ministério da Saúde
Investigação da Polícia Federal conectou o escândalo de desvios de verbas públicas dos kits de robótica em Alagoas à compra de remédios e produtos hospitalares sem licitação em Pernambuco. O caso lembra por que o centrão pressiona tanto Lula para que lhe entregue o controle do Ministério da Saúde, lar de bilionárias emendas parlamentares, em nome de apoio no Congresso Nacional.
O elo entre ambos os escândalos, como aponta reportagem de Pedro Canário, Aguirre Talento e Carla Araújo, nesta sexta (9), no UOL, é Denilson Silva, mecânico, morador de uma casa humilde na periferia de Maceió e que usa um carro ano 2007.
Ele aparecia como sócio da Megalic, a milionária empresa que vendeu kits educacionais de robótica com sobrepreço para prefeituras alagoanas e pertence a aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira. Mas também como dono da Star Med, uma empresa que faturou R$ 8,5 milhões em contratos emergenciais da pandemia junto a prefeituras pernambucanas.
Emendas enviadas pelo centrão também estão presentes nesses dois casos. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL), destinou R$ 32,9 milhões do orçamento secreto para bancar os tais kits em Alagoas, segundo apuração do jornal O Estado de S.Paulo. Aliás, seu então assessor Luciano Cavalcanti é investigado por receber dinheiro do esquema. E Murilo Nogueira Júnior, que doou o uso de sua picape para que Lira fizesse campanha eleitoral, também teve o veículo usado noo transporte dessa grana.
E municípios pernambucanos que receberam emendas de deputados federais de partidos do centrão, como o PP, também aparecem com contratos sem licitação com a milionária Star Med do mecânico Denilson.
Ou seja, ao puxar um fio do novelo de lã com os indícios de corrupção nos kits de Alagoas, a Polícia Federal já chegou em remédios em Pernambuco. Se houve compartilhamento de estruturas e laranjas para outros esquemas, o caso pode ir longe, atingindo mais estados e parlamentares. Não à toa, os casos envolvem os ministérios da Educação e da Saúde, os dois maiores orçamentos do governo federal, que fazem o centrão salivar.
Durante o governo Bolsonaro, o Tribunal de Contas da União (TCU) viu indícios de sobrepreço na licitação de quatro mil ônibus rurais escolares pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o que poderia fazer com que os veículos custassem até R$ 732 milhões a mais. Naquele momento, o procurador Lucas Rocha Furtado, que pediu para parar o pregão, afirmou que ele podia se converter em um "prejuízo à democracia, a depender da destinação que esses recursos venham a ter, como, por exemplo, a composição do chamado 'caixa 2 de campanha'".
O mesmo cheirinho de desvio de recursos públicos para financiar candidaturas exala dos casos em Alagoas e Pernambuco. Se houve crime eleitoral, só a PF poderá dizer.
É difícil imaginar, contudo, que parlamentares venham a ser punidos, qualquer que seja o desfecho, mesmo que o caso suba para o STF. Como muita gente no Congresso se beneficia de emendas, incluindo o próprio presidente da Câmara, responsável por um bom tempo por sua distribuição, qualquer tentativa de cassação dos envolvidos seria barrada, bem como ignorada qualquer decisão da Justiça nesse sentido.
O Supremo já decidiu que as emendas não podem mais ser secretas, o que não significa que as lideranças parlamentares não continuem pressionando o governo Lula a lhes ceder o controle de boa parte do orçamento para que seja usado como instrumento de poder. A depender do tamanho que esse escândalo atual assuma, ele tem potencial para, ao menos, ajudar a frear o apetite parlamentar.
Em dezembro do ano passado, o centrão queria que Lula cedesse a eles o controle do Ministério da Saúde. O presidente da República preferiu dar o comando a Nísia Trindade, ex-presidente da Fiocruz, sem filiação partidária, conferindo à pasta o caráter técnico que ela não teve durante a pandemia de covid-19. Manter a Saúde como um local em que propinas eram discutidas como militares, policiais, religiosos e deputados ajudou o governo Bolsonaro a erguer a grande obra pela qual será lembrado por gerações: uma montanha com mais de 700 mil mortes pela doença.
Agora, após o emparedamento de Lula na MP da reestruturação dos ministérios, o centrão volta à carga pelo Ministério da Saúde. Com uma imensa capilaridade que atinge todo o país, a pasta conta com R$ 11 dos 21 bilhões do total de emendas parlamentares individuais. Lira quer o filho pródigo de volta, Lula vem negando.
Quanto mais investigações mostrarem o que aconteceu com dinheiro de emendas da Saúde sob a gestão do centrão, chocando a opinião pública, mais fica difícil para o grupo retomar a pasta. A questão é que o Ministério da Saúde não é apenas o seu comando.
O centrão reivindica também cargos na pasta que decidam sobre a distribuição de recursos às bases eleitorais de parlamentares, o que o PT está mais disposto a entregar. A recriação da Fundação Nacional da Saúde (Funasa) pela Câmara dos Deputados na MP após ter sido extinta por Lula é um exemplo de como o centrão faz questão de proteger o que parece ser público desde que pertença a eles.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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