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A POSSE ININTERRUPTA DE “TODA A TERRA QUE FICA EM CIMA DA SERRA”, DESDE 1720 ATÉ O ANO DE 1814. PELAS FONTES PRIMÁRIAS.
O Piauí não é aqui (Foto - Internet )
A história contada com documentos é uma estória, mais que um conto; define rumos e alerta a quem interessar possa. Esta reportagem é fruto de uma pesquisa profunda do professor, historiador, editor, mestre, João Bosco Gaspar. João Bosco, dedicado pesquisador da vida do lugar onde mora, a Serra Grande, ou a Ibiapaba, foi aos compêndios mais antigos, aos mais corretos, aos verdadeiros alfarrábios documentais e encontrou que o Piauí, aqui no Ceará, não tem mais que uma vizinhança até então sadia, de quem recebeu educação, cultura, erudição e até o mar. Aqui, piauienses ilustres tiraram seus diplomas e, alguns, ganharam o mundo ou voltaram para casa onde deixaram ou deixam marcas do que aprenderam. Quando o Supremo acabar de ler esses documentos verá que um vizinho ciumento sempre achará que a grama do outro lado do muro será mais verde a sua. E vamos por fim a essa conversa fiada. (Macário Batista - jornalista)
No ano de 1720, no contexto da contenda travada pelos chefes tabajaras e os padres da Companhia de Jesus, contra o mestre de Campo do Piauhy, Bernardo Carvalho de Aguiar e o vigário do Ceará, o padre João de Mattos Monteiro (padre Matinhos), os índios da Ibiapaba conseguiram, finalmente, conquistar e demarcar o vasto território ocupado pelos seus ancestrais desde os tempos pré-colombianos.
Por uma Carta Régia de 5 de dezembro de 1720, o rei de Portugal, Dom João V, fez doação “DE TODA A TERRA QUE FICA EM CIMA DA SERRA” aos índios da aldeia da Ibiapaba, da capitania do Ceará Grande, “começando na ladeira da Uruoca (entre Viçosa e Granja), até o lugar Itapevuna (ou Itapiuna), na margem esquerda do rio Inhuçu”. (Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal, AHU-CE Caixa nº 01, Documento nº 65 – ano de 1720).
Trinta e seis anos depois, ou seja, no ano de 1756, o Ouvidor Geral da Capitania do Ceará Grande, Alexandre de Proença Lemos, escreveu ao Rei Dom José I, relatando que uns “brancos” estavam invadindo as terras dos índios depois do riacho Inhuçu. Em sua petição, o Ouvidor Alexandre Proença lembra ao rei Dom José I, que: “Em 5 de dezembro de 1720, fez o rei Dom João 5º, de gloriosa memória, doação aos índios da Missão da Ibiapaba, de toda a terra que fica em cima da Serra, além da que já tinham, começando na Ladeira da Uruoca até o lugar chamado Itapevuna”. (Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal, AHU-CE Caixa nº 06, Documento nº 415 p. 1 – ano de 1756). Essa invasão ocorrida no ano de 1756, remonta as origens da atual cidade de Guaraciaba do Norte, erguida após o riacho Inhuçu, e elevada ao status de “Vila” no ano de 1791 com o nome de “Vila Nova d’El-Rei”.
No ano de 1759, no contexto da expulsão dos jesuítas da Ibiapaba, o governador de Pernambuco, Luís Diogo Lobo da Silva, reuniu no Recife todas as lideranças indígenas das Capitanias anexas – Ceará, Rio Grande e Paraíba, para expor as “tratativas” engendradas pelos seguidores de Pombal, relacionadas à expulsão dos jesuítas. Entre esses líderes indígenas, encontrava-se Dom Felipe de Sousa e Castro, governador dos índios da Ibiapaba (8 mil índios) e Cavaleiro da Ordem de Santiago. Em ofício do governador Luís Diogo Lobo da Silva, enviado ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, datado de 13 de junho de 1759, consta o seguinte: “O dito mestre de campo D. Felipe de Sousa [e Castro], se houve com tal bizarria [gentileza], que na minha presença, cedeu toda a civilidade, que lhe provinha das potaba, que cobrava como principal da Ibiapaba, as quais consistiam em meia pataca que lhe passava cada índio que saía a comboiar gados por todo este continente”. (Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal, AHU-PE Caixa nº 91, Documento nº 7284 – ano de 1759). Pois bem... “todo este continente” por onde os índios saíam “a comboiar gados” é a região do Carrasco ibiapabano, cerca de 90% do território doado aos índios no ano de 1720. Por sua vez, a palavra “potaba” significava: contribuição em espécie que se fazia ao morubixaba, chefe temporal, e ao pajé, chefe espiritual; dízimo; oferta.
No ano de 1760, o Desembargador da Capitania do Piauhy, Francisco Marcelino de Gouveia, no contexto da “elaboração” do Mapa de Henrique Galúcio, propôs ao Conselho Ultramarino de Portugal, que a notável “Aldeia da Serra da Ibiapaba juntamente com o seu termo”, fosse anexada ao território do Piauhy. Vejamos: “(...) O ouvidor da parte do norte, estabelecendo a sua ouvidoria na Villa de Campo Mayor, pode igualmente ficar com o distrito do seu termo, e das Villas de Velença, Marvão e Parnahiba, e assim mesmo, com a povoação de índios da Serra da Ibiapaba, que hoje se denomina de Villa Viçosa Real, quanto ela como o seu termo, se una também à capitania do Piahuy, separando-se da do Ceará-Grande, a que hé pertencente (...)”. (Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal – AHU-PI, Caixa nº 06, Documento nº 395, ano de 1760. A palavra "termo" mencionada por Marcelino Gouveia, representava, de fato, toda a "circunscrição territorial" que circundava uma vila. No caso de Vila Viçoza Real, o seu "termo" se estendia da Ladeira da Uruoca, até o lugar Itapevuna (Guaraciaba do Norte).
No ano de 1761, nos primeiros anos da administração do Diretório Pombalino nos altiplanos da Ibiapaba, Dom Felipe de Sousa e Castro, escreveu ao Desembargador da Capitania de Pernambuco, Bernardo Coelho da Gama Casco, relatando “uma invasão das terras indígenas” ocorrida nas proximidades da Ladeira da Uruoca. Relata, Dom Felipe que: “o sargento-mor Antônio da Rocha [Franco]”, autoridade em Vila Viçosa, havia arrendado indevidamente “umas terras na Uruoca a um Francisco da Cruz”. (Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal, AHU-PE Caixa nº 95, Documento nº 7493, p. 60 – ano de 1761). Adverte, Dom Felipe de Sousa e Castro, “que em tal não consente, por ser estas terras pertencentes à Vila, e que V. mercê, mande autoridade despejar o rendeiro”.
Finalmente, no ano de 1814, Inácio de Sousa e Castro (descendente próximo de Dom Felipe), capitão-mor dos índios da Serra da Ibiapaba, capitania do Ceará Grande, encaminhou ao Príncipe Regente uma denúncia sobre invasão das terras indígenas. Relata, Inácio de Sousa, que “toda a terra que fica em cima da serra”, recebida do rei de Portugal em 1720 através de Carta Régia, estava sendo esbulhada pelos brancos, que levantaram, em Itapevuna, depois do [riacho] Inhuçu, uma vila chamada “Vila Nova d’El-Rey”, atual Guaraciaba do Norte-CE. (Arquivo Público do Ceará, Caixa 29, Livro 93, ano de 1814).
Pois bem: Esse vasto continente chamado “IBIAPABA”, recebido “oficialmente” das mãos do rei de Portugal no ano de 1720, foi defendido e guardado como um tesouro valioso pela gloriosa nação tabajara. Primeiro por Dom Jacó de Sousa e Castro, depois por Dom José de Vasconcelos e em seguida por Dom Felipe de Sousa e Castro. Esses guerreiros tabajaras, cavaleiros da Ordem de Santiago e governadores dos índios, juntamente com seus liderados, exerceram de forma ininterrupta a posse e o domínio de “toda a terra que fica em cima da serra”. Por João Bosco Gaspar. Pós-Graduado em História, Cultura e Patrimônio.

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