A Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza foi criada pela Lei 928, de 4 de agosto de 1860, e oficialmente inaugurada no ano seguinte. A ideia principal era prestar auxílio à população carente, principalmente aqueles que sofreram durante períodos de grandes estiagem no Ceará. Há mais de 160 anos, a Santa Casa da capital presta serviços essenciais para a saúde pública do município e do estado de maneira geral, uma vez que recebe pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) advindos de toda a Região Metropolitana e outros municípios do interior. Além da relevância na execução de serviços de saúde em si, a Santa Casa também se enquadra como uma instituição educacional, sendo parte importante na formação dos médicos que atenderão a população cearense nas próximas gerações.
Apesar de seu papel significativo para a saúde pública, a irmandade beneficente frequentemente passa por dificuldades relacionadas à falta de recursos. Em agosto de 2022, o hospital publicou uma carta aberta na qual denunciou a existência de uma dívida milionária devido à suspensão dos repasses dos valores financeiros contratualizados, o que havia sido garantido pelo Governo Federal no contexto da pandemia de covid-19.
Em maio deste ano, a Santa Casa enviou uma carta ao Sindicato dos Médicos do Ceará novamente para falar sobre as preocupações no que se refere ao futuro por conta do acúmulo de dívidas. Na época, a instituição afirmou que a Prefeitura de Fortaleza estaria demorando a repassar os valores recebidos mensalmente pelo Ministério da Saúde, agravando a situação. À reportagem, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) informou que os pagamentos dos prestadores contratualizados ocorrem em até 60 dias após a finalização dos serviços de saúde.
O Jornal O Estado conversou com o provedor da irmandade, Vladimir Spinelli Chagas, que destacou a importância do hospital que, mensalmente, contabiliza 13 mil atendimentos. Para que a casa continue atuando de maneira significativa na saúde pública cearense, o provedor afirma que o apoio da população em diferentes aspectos é fundamental.
O Estado | Como a Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza impacta na saúde pública da cidade?
Vladimir Spinelli | Para a gente ter uma ideia, a Santa Casa tem atendimentos na ordem de 13 mil. Possuímos 266 leitos aqui e mais 130 no hospital São Vicente de Paulo. 10 deles são leitos de UTI, muito modernos. São 29 ambulatórios, 9 salas cirúrgicas. Temos um número de médicos confortável. 25 deles são residentes e 5 são de Cabo Verde. Temos excelência em quimioterapia, oncologia, hemodiálise, proctologia e cirurgia de cabeça. A gente atende pacientes do SUS, que vêm pelo Sistema de Regulação do Município. Percebemos que temos atendimento significativo na Região Metropolitana e em municípios distantes, mas nossa base são os moradores de Fortaleza.
O E. | Quais são os principais obstáculos enfrentados na administração?
V. S. | As principais dores da Santa Casa estão relacionadas à questão dos recursos financeiros. Somos um hospital praticamente SUS e a tabela está totalmente defasada. Uma consulta médica custa 10 reais, por exemplo, e ficam apenas 3 para a Santa Casa. Nós não temos recursos suficientes para manter a estrutura em funcionamento sem recursos de doações e de emendas parlamentares. Hoje, nós temos uma dívida significativa com fornecedores e prestadores de serviço, justamente por conta dessa defasagem que nos traz, mensalmente, um déficit de R$ 2 milhões.
O E. | Quais são as maiores necessidades do hospital atualmente?
V. S. | Precisamos ter uma fonte de recurso estável. Temos algumas fontes de negociação abertas com o governo Municipal e Estadual. A área de saúde é extremamente carente e é importante que eles nos deem esse apoio até que consigamos transformar a Santa Casa. Já fizemos parcerias com várias outras entidades como a FIEC, que está nos ajudando de uma forma substancial, as universidades Estadual, Federal, a Unichristus, a Escola de Saúde Pública e muitas outras. Nós queremos e vamos transformar a Santa Casa em uma instituição de ciência e tecnologia, tudo o que é necessário para mostrar o que estamos fazendo pela saúde.
O E. | Como a população pode auxiliar?
V. S. | Nós estamos trabalhando em cima de uma campanha para mostrar o que estamos fazendo na Santa Casa para o público, de modo a aumentar a faixa de doações. Hoje temos doações através da Enel e da Cagece, mas ficaram muito reduzidas. Esperamos que elas sejam ampliadas. Nós recebemos também pelo Pix financeiro@santacasace.org.br. As pessoas podem doar ainda lençóis, material de limpeza, de higiene e alimentos. Já são campanhas sistemáticas. Nós também temos aqui, a Associação de Amigos da Santa Casa, que está sempre aberta para receber doações e apoio por meio do voluntariado.
O E. | Os problemas relacionados à comunicação com a Prefeitura foram sanados?
V. S. | Há uma dificuldade no diálogo com a Prefeitura. Nós tivemos uma melhoria nas conversas com o secretário de Saúde, Galeno Taumaturgo, que é oriundo da Santa Casa, mas as portas com a Prefeitura de fato continuam fechadas. Nós já pedimos uma audiência para mostrar nossas questões e a importância do Município nos ajudar. O Município tem dívidas com a Santa Casa. Somos um parceiro de excelência para eles. Nós recebemos mais pacientes de média complexidade e ambulatoriais, que não trazem valores financeiros por conta da quantia que é paga pelo SUS. Os de alta complexidade, recebemos em um número menor do que entendemos que seria importante para a instituição. Os de média complexidade são aqueles que acabamos tendo que colocar mais recursos. Sabemos que a atualização da tabela SUS depende do Governo Federal, ela é absolutamente indispensável. Mas, não é uma coisa que esperamos que aconteça de hoje para amanhã. Estamos trabalhando internamente e atualizando os regimentos da irmandade, trabalhando com total transparência. Precisamos ter recursos para sobreviver até lá. Eu tenho uma visão para a Santa Casa, daqui a dois anos ou dois anos e meio, que é muito diferente do que está hoje. Mas, se não tivermos esse apoio dos entes Federal, Municipal e Estadual, continuaremos correndo riscos de reduzir sensivelmente o atendimento.
Por Yasmim Rodrigues
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