Litígio entre CE e PI: disputa já vem séculos
Historiador explica conflito que pode tirar terras do Ceará. Processo está no STF e aguarda perícia do Exército
A disputa de territórios entre os estados do Ceará e do Piauí ganhou mais um capítulo: a Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi) aprovou na última terça-feira (28) a realização de uma audiência pública para debater o litígio entre os dois estados, ainda sem data definida. O requerimento da audiência diz que a questão “tem gerado preocupação e controvérsias significativas, afetando diretamente a população e o desenvolvimento econômico de ambas as regiões envolvidas”.
No Ceará, o Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Ceará (Celditec), da Assembleia Legislativa, já realizou audiências públicas no ano passado nos municípios cearenses que podem perder território por conta da disputa. Além disso, o Celditec acompanha de perto o processo que está no Supremo Tribunal Federal (STF). Também foi criado um grupo de trabalho pelo governador Elmano de Freitas em março deste ano para acompanhar o litígio de terras entre os estados.
A disputa de territórios entre Ceará e Piauí já vem de muito tempo, remontando ao período colonial. O professor e historiador João Bosco Gaspar, natural de Tianguá, município da Serra da Ibiapaba, atua como voluntário do Celditec e acompanha a questão do litígio. Ele explica que em vários momentos o Piauí reivindicou terras dessa região, totalizando pelos menos dez tentativas de anexação de territórios.
No período colonial, o Piauí (até então vinculado ao Maranhão) requisitou as terras da Missão da Ibiapaba, da Nação Tabajara, que pertenciam ao Ceará (até então vinculado a Pernambuco). “Naquele momento em que o Piauí tentava anexar a Ibiapaba, eles objetivavam a população indigena para o trabalho”, explica Gaspar. Ele lembra que o Piauí sempre teve uma população aproximadamente três vezes menor em relação ao Ceará e isso seria um dos motivos para a disputa histórica.
Após uma tentativa do Piauí de anexar a Serra da Ibiapaba, o rei de Portugal, D. João V, expediu em 1720 uma Carta Régia determinando que toda a região ficasse pertencente à Nação Tabajara na capitania do Ceará.
Já em 1880, o Piauí adquiriu a localidade de Amarração (atual Luís Correia) por meio do Decreto Imperial nº 3.012. Em troca, o Ceará recebeu a Comarca de Príncipe Imperial (atuais municípios de Independência e Crateús). O decreto estabeleceu que a linha divisória entre as duas então províncias seria justamente a Serra Grande ou da Ibiapaba, pertencendo ao Piauí as vertentes ocidentais da mesma serra e ao Ceará as orientais. O professor lembra que nessa troca de territórios, uma cláusula no decreto dizia que posses como vilas, povoados ou cidades colonizadas pelo Ceará até aquela data seriam respeitadas.
O professor defende que o que era conhecido como a região da Ibiapaba, no caso o trecho que vai de Viçosa do Ceará a Guaraciaba do Norte, sempre pertenceu ao Ceará. Em um estudo aprofundado do assunto, ele reuniu documentação que comprova isso, disponível no livro “Análise histórica das divisas cearenses: caso do litígio de terras entre o Ceará e o Piauí”, a ser lançado neste mês setembro.
O professor Gaspar avalia que a motivação por trás do atual litígio tem a ver com interesses políticos e econômicos. Nesse sentido, ele atribui, a princípio, essa disputa às usinas eólicas presentes na região reivindicada e que são importantes do ponto de vista da arrecadação para município e estado. Além disso, mais território pode levar a um aumento de população. De acordo com o novo censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Piauí perdeu população e assim pode ter dois deputados federais a menos e uma queda de R$ 400 milhões em recursos.
Segundo Gaspar, que é morador da região da Ibiapaba, a população local se identifica como cearense. Se for feito um censo aqui na Ibiapaba, a população que mora na área de litígio vai dizer que não quer fazer parte do Piauí”, afirmou.
Entenda o litígio
Em 2011, o Piauí ingressou com uma Ação Civil Originária (ACO) no STF questionando partes do território do Ceará. Na referida ação, o Piauí requer uma área de aproximadamente 2.821 km² envolvendo 13 municípios cearenses. No ano seguinte, o IBGE realizou um trabalho técnico por solicitação da Advocacia Geral da União (AGU) para delimitação da divisa em uma área piloto, abordando em sua metodologia a análise histórica-documental, aspectos sociais, geográficos, culturais, e trabalho de campo.
Em 2016, o Ministro Dias Toffoli designou que o Exército Brasileiro, por meio da Diretoria de Serviço Geográfico (DSG), realizasse perícia técnica (ainda em andamento) para a delimitação da divisa.
Na última segunda-feira (28), o Serviço Geográfico do Exército Brasileiro iniciou o trabalho de campo para a coleta de matérias que irão embasar o parecer da perícia técnica. Esse trabalho é acompanhado por grupos instituídos pelos governos dos dois estados. A previsão de término da perícia técnica por parte da DSG corresponde ao mês de maio de 2024.
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