O Ricardo morreu

 Não chorem. Ele vai fazer primeiras páginas por aí...

Na velha redação, antes da estupidez da pandemia, muito antes do negacionismo e do terra plana, adorava chegar ao OEstado e entregar, nas mãos dos diagramadores a coluna que ele convidou e acolheu para que eu escrevesse na página 3 e que depois migrou pra 4. Sempre chegava na hora do fechamento da primeira. E ficava admirado, eu que fechara primeiras noutra casa, com a sensibilidade do Ricardo Palhano, na redação, cuidando da manchete, das imagens, dos títulos, de onde aos poucos foi se afastando, sendo, entretanto cobrado por mim; Ricardo, volte a fazer a primeira. Não fui atendido. Nunca mais fui atendido. Só que nossas conversas de calçada, pós fechamento, continuaram ainda por muito tempo. O amigo que ouvira, lá atrás, no tempo, que esta seria minha última casa de trabalho, aos poucos cedeu lugar às primeiras e às últimas. Aquele fogo vibrante, o uisquinho pós parto de cada edição, as viagens pelos sertões, foram rareando e o brilho dos olhos esmaecendo. Era como um anúncio, uma profecia do corpo e mensagem da alma, mandando aos cuidados do estaleiro da vida, uma vida para reparos, remendos, cuidados. Os mares, aqueles dantes navegados com a força e o domínio dos velhos marinheiros, aprendidos nos nevoeiros com o velho Pai, já então pilotando estrelas, ficaram revoltos. É que o mar da vida às vezes nos encapela, quando deveria nos levar a enseadas, a bahias mansas a cabos sem tormentas. É quando nos vemos cercados, na saúde, pelo cansaço que sobem nos arrecifes e nos recolhem de vez. A saúde minada aos poucos nos rouba Ricardo Palhano. A alegria do convívio com amigos de eras, não de anos que de amigos celebramos eras, sustentou o vício da informação, da conversa franca, do riso aberto e da verdade contida até que a dor maior assumiu a cadeira, a escrivaninha, a pena e a vontade daquelas primeiras páginas que eu pedia quando delas se foi afastando. Pois minguaram, definharam, findaram os tempos e o sempre inevitável adeus chegou. Pois então vá Ricardo. Você sabe o que deixa, você sabe o que leva, você, que sempre acreditou no outro lado, se der, manda notícias de lá. Se der, fala com o Pai, quem sabe Ele te faça voltar às alegrias das capas do jornal de pra onde você for. A gente se fala.
 

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