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Dor profunda de um término de amizade ainda é negligenciada
Na complexa tapeçaria das relações humanas, a amizade desempenha um papel fundamental. No entanto, ao contrário dos términos de relacionamentos amorosos, o fim de uma amizade muitas vezes ocorre nas sombras.Muitos de nós conhecemos bem aquela sensação de tristeza, raiva intensa e solidão repentina que acompanha o fim de um relacionamento amoroso. E não faltam conselhos de especialistas, livros, músicas e séries para ajudar as pessoas a superarem esse tipo de término. Mas e quanto à dor de perder uma amizade?
Na Grécia Antiga, o conceito de amor era diversificado, incluindo três principais tipos: Eros, relacionado ao amor romântico; Philia, que representava a amizade; e Ágape, caracterizado pelo amor incondicional por todos os seres. Essas diferentes facetas do amor refletiam a complexidade das relações humanas naquela sociedade.
Atualmente, quando falamos sobre amor ou término, tendemos a nos concentrar principalmente no Eros, presente nos relacionamentos românticos. No entanto, o Philia, a amizade, pode ser tão significativo quanto o Eros.
Ellen Simone Gregorini, psicóloga transpessoal – que investiga estados de consciência expandida, experiências espirituais e questões existenciais, visando entender o ser humano como um todo –, destaca que o filósofo Aristóteles foi fundamental no desenvolvimento do pensamento grego sobre o Philia, enaltecendo-o como um modo especial de “viver junto” e “viver na intimidade”.
“Nessa relação, amigos conscientes de seus sentimentos mais profundos e do desejo mútuo de bem-querer criam um laço amoroso no qual dão e recebem, ajudam e são ajudados, amam e são amados, em um espaço afetivo marcado pela admiração, respeito, carinho e ternura”, acrescenta Gregorini.
No entanto, quando esse vínculo é quebrado, seja por conflitos ou mudanças na vida, as consequências podem ser devastadoras.
Como uma amizade chega ao fim?
Segundo Gregorini, enquanto algumas amizades terminam naturalmente ao longo da vida, outras podem ser traumáticas e dolorosas.
“À medida que avançamos em nossos caminhos, mudanças pessoais podem levar naturalmente ao distanciamento de algumas amizades. E guardamos essas amizades de forma carinhosa, sem traumas ou dores”, explica a psicóloga.
No entanto, ela destaca que, assim como nos relacionamentos amorosos, uma amizade pode se tornar tóxica, levando à necessidade de separação mútua. “Você começa a perceber que, anteriormente, compartilhar coisas com um amigo ou amiga era agradável, mas agora tornou-se menos satisfatório devido às críticas constantes, inveja ou à percepção de que a pessoa não contribui para seu bem-estar. Isso acaba virando uma relação tóxica. É uma relação que nos aprisiona e não contribui para o nosso crescimento.”
Além disso, amizades também podem terminar devido a quebras de confiança. Por exemplo, quando um amigo beija seu parceiro ou compartilha um segredo seu com outra pessoa.
Fernanda Lopes, professora de psicologia na Universidade de Fortaleza especializada em temáticas relacionadas ao término e luto, ressalta que uma traição ou decepção na amizade pode ter um impacto emocional tão intenso, ou até maior, do que em qualquer outro tipo de relação.
A dor invisível do término de uma amizade
De acordo com Lopes, embora reconheçamos a importância da amizade, é comum que a sociedade valorize mais os relacionamentos amorosos e familiares, relegando a amizade a um papel secundário, como se fosse uma relação de menor significado.
“Quem nós somos é [algo] construído a partir dos vínculos que formamos desde o nosso nascimento”, afirma Lopes. “Precisamos parar de classificar as perdas por categoria. Tem muito mais a ver com a relação do que com o status da relação. Porque, na verdade, o que fundamenta quanto sofrimento ou quanto aquilo vai impactar é o vínculo.”
A psicóloga observa que esse nível de sofrimento pode ser tão desestabilizador quanto o término de um relacionamento amoroso. Ela destaca que a decepção ou traição em uma amizade pode ter um impacto emocional semelhante, porém muitas vezes não discutido. “A gente não fala sobre nada de perdas relacionadas a amizades, a gente sempre fala muito de ganhos, de como aquilo faz bem, de como aquela relação é boa.”
Portanto, quando perdemos um amigo, seja de forma literal ou simbólica, enfrentamos um processo de luto que pode afetar o nosso emocional de maneira intensa.
Segundo Lopes, quanto mais ligados estamos à pessoa, mais intensas são as reações de luto. “Quando perdemos alguém ou nos decepcionamos, isso nos desestrutura no momento. Pode interferir na confiança em outros relacionamentos, inclusive nos amorosos e familiares. O impacto emocional é grande, pois acreditávamos que aquela pessoa fazia parte de nosso mundo seguro. Quando essa relação significativa se desestrutura, tudo o que acreditávamos pode ruir.”
Lopes diz que podemos passar por um processo de retração, assim como acontece após términos de relacionamentos amorosos, quando a confiança em outros relacionamentos é abalada e pode ser difícil se relacionar novamente.
“As reações são semelhantes, por isso não devemos desqualificá-las, pois elas podem ser emocionalmente graves, especialmente quando não são validadas. Por não serem reconhecidas, as pessoas afetadas, muitas vezes, não têm espaço para expressar sua dor”.
O processo de cura
Fernanda Lopes ressalta que não há uma fórmula pré-definida para lidar com essa dor. Segundo ela, o processo de luto é natural.
“Uma das coisas mais importantes é a validação do outro. No entanto, como a amizade muitas vezes é vista como uma relação menos importante, rotulada como 'apenas um amigo', essa ideia me preocupa, pois o luto associado a ela pode não receber o reconhecimento merecido”, destaca a psicóloga.
Gregorini enfatiza a importância de ter uma rede de apoio tanto no término de relacionamentos amorosos quanto no de amizades. “É crucial elaborar esse luto, não guardar os sentimentos negativos. É importante buscar pessoas próximas para compartilhar e expressar esses sentimentos. O simples ato de falar já é o primeiro passo para a elaboração”.
Ela destaca que, ao passar pelo processo de luto e elaboração, a pessoa fecha um ciclo, reconhece o aprendizado advindo da experiência e sai transformada tanto pela relação quanto pela dor enfrentada.
De acordo com Maria Claudia Tardin, professora de psicologia da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio (FPMR), uma estratégia eficaz para lidar com essas dores é encarar a solidão de forma positiva. “Quando você aprende a apreciar sua própria companhia, você consegue identificar quais companhias realmente acrescentam algo à sua vida e fazem bem”, afirma.
Ela também ressalta que amigos íntimos são raros. “Podemos contá-los nos dedos de uma mão. Ter um amigo íntimo significa ter alguém que esteja presente em nossas transformações, assim como nós acompanhamos as deles”.
A importância de reconhecer a amizade como um relacionamento importante
À medida que envelhecemos, os amigos se tornam mais importantes para nossa saúde e felicidade, revela pesquisa publicada no jornal Personal Relationships. Ter amizades solidárias na velhice foi identificado como um indicador mais intenso de bem-estar do que laços familiares fortes.
Na Alemanha, está em pauta um projeto de lei que reconhece a importância da amizade. Ele visa oferecer proteção legal a pessoas que vivem juntas e compartilham responsabilidades, mesmo sem laços familiares ou casamento. Isso visa criar uma estrutura para proteger esses relacionamentos, especialmente em emergências médicas. Entre beneficiados estão idosos, mães e pais solteiros e comunidade LGBTQ+.
“Em determinadas situações, como na comunidade LGBTQIAPN+ e em outros grupos vulneráveis, os amigos frequentemente têm um papel semelhante ao da família”, observa Lopes.
“Esses amigos são como uma segunda família, escolhida conscientemente. Não são laços de sangue, mas relações cultivadas ao longo do tempo. Alguns estão presentes por anos, outros temporariamente, mas todos são confiáveis, respeitados e fonte de conforto”, acrescenta Tardin.

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