Opinião
Chegando o fim do ano um mundaréu de gente se arruma pra viajar. Destinos mais buscados são EUA e Europa, entrando por Lisboa. Aqui, os locais reclamam e os escribas reclamam.
Davide Amado, presidente da Conselheria do PS foi às teclas.
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Lisboa. Triste sina de quem não é turista
Recuemos a 1 de outubro, dia em que Carlos Moedas participou na conferência Habitar as Grandes Cidades. Para espanto de todos os que o ouviam, declarou o Presidente da Câmara: “Hoje, por exemplo, em Lisboa, 30% dos que nos visitam ficam em Alojamento Local (AL). Se nós, de repente, agora dissermos acabou, corta tudo, não há mais AL, para onde é que essas pessoas iam? Os preços dos hotéis, o que é que acontecia? Aumentavam brutalmente.”
Seria lógico que a última das preocupações de alguém eleito por lisboetas fosse a carteira dos turistas, muito menos a meio de uma crise habitacional. O debate em torno da habitação, ou falta dela, assume muitas vezes contornos de irracionalidade, mas não lembra a ninguém sair em defesa de turistas que podem pagar a estadia, ao contrário de quem trabalha e vive na cidade e assiste ao disparar de preços sem o proporcional acompanhamento dos salários. Má sorte não ser turista.
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O AL e a sua combinação com políticas de Golden Visa e fiscalidade desagravada para atração de estrangeiros foram fatores decisivos para o sobreaquecimento do mercado da habitação. Tanto que, um pouco por todo o mundo, as restrições a este tipo de alojamento têm-se multiplicado. Nova Iorque mostrou um cartão vermelho aos alugueres temporários e decidiu que só são possíveis em endereços registados, para um máximo de duas pessoas e com a presença do proprietário. Tóquio e Vancouver também exigem que os anfitriões vivam nas casas que alugam, enquanto Londres e Paris limitam o número de noites em que uma propriedade pode ser alugada.
Embora com uma suspensão temporária de novas licenças para AL, Madrid tem vivido protestos massivos contra uma habitação cada vez mais inacessível. Em Valência recorreu-se à criatividade para interditar estes alugueres em casas acima do primeiro andar, esperando que a vista para um parque de estacionamento em vez do Mediterrâneo seja suficientemente dissuasora. Mais longe foi Barcelona, que não só não vai conceder novas licenças, como já anunciou a morte dos seus 10 mil apartamentos turísticos até 2028. Noutros países, como a Dinamarca, Finlândia, Croácia e Malta, optou-se pela restrição da venda de imóveis a não-residentes. Objetivo comum? Impedir pressões sobre o mercado imobiliário.
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Por cá, corre tudo tão bem que nos damos ao luxo de desfazer um caminho de regulação que já se tinha iniciado. O Presidente da República promulgou o regime jurídico que vai tornar mais difícil evitar novas aberturas ou conseguir encerramentos de AL, já que os condóminos deixam de poder opor-se a partilhar o seu prédio com turistas, devendo agora provar “incomodidade”. Marcelo Rebelo de Sousa também já tinha promulgado a revogação da Contribuição Extraordinária sobre os imóveis em AL.
Lisboa, que até foi pioneira nas restrições ao AL, começa agora a arrepiar caminho, mesmo que alguns estudos demonstrem que banir novos registos em áreas muito sobrecarregadas levaram a um menor aumento de preços na habitação. Recorde-se que em algumas freguesias o número de licenças de AL chega a ser mais de metade do número total de habitações, como Santa Maria Maior, onde o rácio em 2022 era superior a 71%. É por isso prioritário estabelecer um teto máximo para a cidade, que não deve ser superior a 5% das habitações disponíveis.
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É do interesse de todos, inclusivamente do AL, regular e fiscalizar o mercado, impedindo ilegalidades e especulação, mas é sobretudo preciso aumentar o parque público. Na mesma conferência em que Carlos Moedas defendeu o bolso estrangeiro, uma investigadora trouxe novos dados a público: uma em cada quatro casas construídas desde 2006 está vazia por causa da especulação imobiliária. Só na capital são quase 50 mil.
A câmara, que tem um financiamento inédito para o setor (560 milhões de euros entre PRR e Orçamento do Estado), tem de construir e reabilitar, disponibilizando casas para quem mais precisa e também para a classe média, evitando o esvaziamento e a morte dos seus bairros. Talvez assim consiga convencer os lisboetas que governa a cidade a pensar neles, e não nos turistas.
Chegando o fim do ano um mundaréu de gente se arruma pra viajar. Destinos mais buscados são EUA e Europa, entrando por Lisboa. Aqui, os locais reclamam e os escribas reclamam.
Davide Amado, presidente da Conselheria do PS foi às teclas.
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Lisboa. Triste sina de quem não é turista
Recuemos a 1 de outubro, dia em que Carlos Moedas participou na conferência Habitar as Grandes Cidades. Para espanto de todos os que o ouviam, declarou o Presidente da Câmara: “Hoje, por exemplo, em Lisboa, 30% dos que nos visitam ficam em Alojamento Local (AL). Se nós, de repente, agora dissermos acabou, corta tudo, não há mais AL, para onde é que essas pessoas iam? Os preços dos hotéis, o que é que acontecia? Aumentavam brutalmente.”
Seria lógico que a última das preocupações de alguém eleito por lisboetas fosse a carteira dos turistas, muito menos a meio de uma crise habitacional. O debate em torno da habitação, ou falta dela, assume muitas vezes contornos de irracionalidade, mas não lembra a ninguém sair em defesa de turistas que podem pagar a estadia, ao contrário de quem trabalha e vive na cidade e assiste ao disparar de preços sem o proporcional acompanhamento dos salários. Má sorte não ser turista.
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O AL e a sua combinação com políticas de Golden Visa e fiscalidade desagravada para atração de estrangeiros foram fatores decisivos para o sobreaquecimento do mercado da habitação. Tanto que, um pouco por todo o mundo, as restrições a este tipo de alojamento têm-se multiplicado. Nova Iorque mostrou um cartão vermelho aos alugueres temporários e decidiu que só são possíveis em endereços registados, para um máximo de duas pessoas e com a presença do proprietário. Tóquio e Vancouver também exigem que os anfitriões vivam nas casas que alugam, enquanto Londres e Paris limitam o número de noites em que uma propriedade pode ser alugada.
Embora com uma suspensão temporária de novas licenças para AL, Madrid tem vivido protestos massivos contra uma habitação cada vez mais inacessível. Em Valência recorreu-se à criatividade para interditar estes alugueres em casas acima do primeiro andar, esperando que a vista para um parque de estacionamento em vez do Mediterrâneo seja suficientemente dissuasora. Mais longe foi Barcelona, que não só não vai conceder novas licenças, como já anunciou a morte dos seus 10 mil apartamentos turísticos até 2028. Noutros países, como a Dinamarca, Finlândia, Croácia e Malta, optou-se pela restrição da venda de imóveis a não-residentes. Objetivo comum? Impedir pressões sobre o mercado imobiliário.
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Por cá, corre tudo tão bem que nos damos ao luxo de desfazer um caminho de regulação que já se tinha iniciado. O Presidente da República promulgou o regime jurídico que vai tornar mais difícil evitar novas aberturas ou conseguir encerramentos de AL, já que os condóminos deixam de poder opor-se a partilhar o seu prédio com turistas, devendo agora provar “incomodidade”. Marcelo Rebelo de Sousa também já tinha promulgado a revogação da Contribuição Extraordinária sobre os imóveis em AL.
Lisboa, que até foi pioneira nas restrições ao AL, começa agora a arrepiar caminho, mesmo que alguns estudos demonstrem que banir novos registos em áreas muito sobrecarregadas levaram a um menor aumento de preços na habitação. Recorde-se que em algumas freguesias o número de licenças de AL chega a ser mais de metade do número total de habitações, como Santa Maria Maior, onde o rácio em 2022 era superior a 71%. É por isso prioritário estabelecer um teto máximo para a cidade, que não deve ser superior a 5% das habitações disponíveis.
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É do interesse de todos, inclusivamente do AL, regular e fiscalizar o mercado, impedindo ilegalidades e especulação, mas é sobretudo preciso aumentar o parque público. Na mesma conferência em que Carlos Moedas defendeu o bolso estrangeiro, uma investigadora trouxe novos dados a público: uma em cada quatro casas construídas desde 2006 está vazia por causa da especulação imobiliária. Só na capital são quase 50 mil.
A câmara, que tem um financiamento inédito para o setor (560 milhões de euros entre PRR e Orçamento do Estado), tem de construir e reabilitar, disponibilizando casas para quem mais precisa e também para a classe média, evitando o esvaziamento e a morte dos seus bairros. Talvez assim consiga convencer os lisboetas que governa a cidade a pensar neles, e não nos turistas.
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